terça-feira, 26 de abril de 2011

Linhas que dividem para Unir

Às vezes desenhas linhas sobre os campos onde se cultiva vida. A tua vida. Como que tentando dividir. Separar. Só que não é para separar. Dividir é unir. Unir verdadeiramente. Pelo menos se o muro for baixo. Se conseguirmos ver o que há para lá. Se convidar à conversa com o vizinho. Com as outras dimensões da vida. Com o mistério que há para além de um muro. E tu tentas sempre dividir bem, para unir melhor.

Nos campos que são a tua vida traças linhas rectas. Esforças-te. Formas geométricas para áreas métricas e superfícies perfeitas. Mas o mundo não é quandrangular, não se resume a rectas, não se paralelisa tão simplesmente. E tu sabe-lo. Por isso libertas-te na divisão. Quebras a noção perfeita de perfeição para a tornar mais humana. Para a tornares humana. Porque a perfeição de linhas rectas só cheira e sabe a perfeição para quem não sabe o que é ser humano, para quem nunca viu o mundo como tu o viste. Por isso esqueces a matemática das linhas perfeitas e dás-lhes aquele travo amargo de cada grão individual de café, amadurecido na encosta de uma montanha distante. Salpicas grãos de canela. Lanças o perfume de pétalas de flores cujo nome desconheces, mas o perfume te inspira sonhos, e salgas tudo com o mar inteiro. O mar inteiro. Estilhaças e partes edifícios gigantes, sopras o vapor de comboios que outrara percorreram o mundo e que hoje são só memórias, e queimas a gasolina que se há de queimar toda até não haver mais. Num cheiro intenso. Num sabor que explode, na intensidade de se estar vivo. Divides e re-divides. Humanamente. Imperfeitamente, porque é a imperfeição que melhor sabe a vida. E sem receitas ou fórmulas, saltas os teus próprios muros e quebras fronteiras acabadas de criar.

Às vezes desenhas linhas no campo onde crescem as tuas memórias, onde amadurecem os teus sorrisos, onde os teus sonhos proliferam. Onde as lágrimas chovem. Onde a mágoa sopra em tempestade. Às vezes desenhas linhas sem saberes ou te aperceberes que, ao desenhá-las, ao escreve-las em ti, pintas versos e frases e textos e música num Universo que podes tocar e sentir e criar, mas que, a cada segundo, se estende, mais e mais, para além de ti, até ganhar as suas próprias asas e saber voar, rumo ao infinito. Às vezes desenhas linhas no campo da tua vida, para dividir e unir o que és. E ao fazê-lo, tornas o mundo de todos os que te rodeiam tão melhor.

1 comentário:

Olinda Gil disse...

Apesar de não focares a ciência, o vocabulário aparece. Gostei :D