domingo, 24 de junho de 2012

Deuses, Anjos, Padres e um Mundo de Ricos e Escravos

Meus amigos e amigas que andam meio perdidos nesta coisa da crise pá; há boas notícias. O grande-guru-expert da economia chegou para vos elucidar. Para vos iluminar a mente e a alma, e vos libertar de todas essas dúvidas que dia após dia vos atrofiam a mente. Para vos dizer aquilo que, por talvez ser tão óbvio, nunca vos é dito, ou é sempre camuflado. Para que saibam que o mundo em que vivemos não é assim tão complicado. Apenas o tornamos complicado porque respondemos de forma complicada a desafios e questões tão simples. Pá.

Então é assim, pá. Por mais que queiram acreditar, ou vos repitam, dia após dia, a "economia" é algo que não está vivo/a. Que não existe. A "economia" é uma palavra, e daquelas que não vem nos livros de ciência. O que significa que é quase tão problemática/subjectiva como o anjo Miguel ou o arcanjo Francisco (não, não importa se isto são mesmo nomes de anjos ou não, obviamente; era só para dar um exemplo parvo pá) - ou seja, não significa nada. Já os mercados, obviamente, são os deuses que mandam nesses anjos. E quando os deuses estão zangados, os anjos ficam parados/estagnados (e ai, meu deus, que é a criseeeee!). Os políticos/decisores - infelizmente - são bem reais, e, sabe-se lá porquê, são os padres da doutrina. São os que dizem/acreditam (malucos pá!) ouvir os anjos da economia a sussurrar-lhes o que os mercados (deuses) querem que aconteça ou não. Os políticos são os padres que raptam virgens para sacrificar. Que nos roubam ovelhas e carneiros de natal ou de férias, e os sacrificam em nome dos deuses mercados, com esperança que os deuses fiquem satisfeitos e que ponham os anjos a mexer.

Portanto, e caso ainda não tenham concluido algo semelhante, a situação actual, com anjos e deuses e padres que acreditam em sacrifícios é mesmo isso. Uma esquizofrenia/alucinação de tal forma marada e uma doutrina que é mais contagiosa e perigosa que a peste negra, pá!

E o pior é que, tal como qualquer doutrina/crença sem sentido, a trindade dos "deuses, anjos e padres" (mercados, economia, políticos) é um conceito que se apresenta à prova de qualquer evidência experimental. Não se pode sequer questionar. Não existem alternativas. Porque, para os crentes, até Fernando Pessoa se enganou, pá. Claramente o gajo devia era ter escrito:

"Os Deuses querem, os padres sacrificam, os anjos crescem."




Mas deixemo-nos de parvoíces em que a quase totalidade do mundo político e "económico" acredita, e que estão a conduzir o planeta inteiro para a maior crise de estupidez desde a idade das trevas. Vamos a factos.

Nunca na história do planeta existiram tantos como nós. Nunca vivemos - em média - tantos anos (embora talvez já tenhamos vivido melhor, pá!). E nunca tivemos acesso a tanto conhecimento como hoje. O nosso potencial físico, tecnológico, biológico e mental atinge hoje níveis absolutamente inimagináveis. E, no entanto, estamos de tal forma preocupados com o que os deuses pensam, e viciados nas "oferendas" trazidas pelos anjos, que, ainda que estejamos a viver no que potencialmente deveria ser a verdadeira idade do ouro da humanidade, comportamo-nos como autenticos totós. Já nem à Lua chegamos pá! Já nem podemos sonhar! E, com isso, condenamos a esmagadora maioria da população a vidas que, ainda que possam ser mais longas, são cada vez mais infelizes e deprimentes. E porquê? Qual a razão?

Eu explico porquê. Afinal, pá, é simples como um raio.

É que os anjos da economia não são anjos. Não existe uma "economia". Porque a "economia" somos todos nós. E nós, pelo que parece, gostamos é de "comprar" pelo preço mais baixo (mesmo que seja estupidamente baixo), e vender pelo preço mais alto (mesmo que seja estupidamente alto). E queremos todos "crescer" e "enriquecer". Ora será possível uma receita mais propícia ao desastre? Uma "economia" em que toda a gente quer, simultaneamente, comprar pelo preço mais baixo (ou seja, uma economia em que, em igualdade e justiça seria impossível enriquecer) e vender pelo mais alto (ou seja, uma economia em que, em igualdade e justiça, todos iriam enriquecer)? Alguém já tentou resolver essa equação? Ora cá vai disto pá, o ponto mais importante de tudo isto, número 1 (que nice pá):

1) Num mundo justo, a equação mais simples da economia actual não tem solução, e, portanto, é impossível a economia actual existir e ser justa.

A unica maneira de satisfazer a equação básica da economia actual é (que génios que somos pá!) através da existência de escravos (E) e ricos (R); ou seja, de pessoas que, pelo mesmo trabalho, podem receber aproximadamente nada, ou aproximadamente tudo. Neste caso, a equação da economia mundial passa a ter uma solução numérica que, não sendo exacta, se ajusta em função do número total de escravos e do número total de ricos, havendo relações entre o número de ricos R e o número de escravos, E. Para os malucos que gostam de matemática pá, o que estamos a falar é de algo tipo:

E=R^D (Escravos = Ricos ^ [Expoente da Desigualdade] )

Que são soluções (entre outras) da equação económica. D é o expoente Desigualdade - quanto maior tiver que ser D, maior é a desigualdade necessária entre número de Ricos e Escravos para satisfazer a "economia".

Esta é a única maneira de garantir que uma economia Mundial feita de pessoas que querem simultaneamente comprar a preços ridiculamente baixos e vender aos mais altos preços funciona. Como é óbvio, em geral, e de forma simples, só os Ricos podem vender coisas a preços altíssimos e comprar as coisas aos mais baixos precos, enquanto os Escravos só podem vender coisas a preços baixíssimos e comprar coisas a preços altíssimos. Viva a igualdade e os direitos humanos! Todos nascemos iguais pá!... Viva o progresso e a igualdade!




O que nos leva a consequências importantes e necessárias para compreendermos o mais básico do que se passa à nossa volta, e que são consequências do ponto 1 e das suas soluções dinâmicas e aproximadas de uma economia de Escravos e Ricos:

1.1) A economia mundial actual, ainda que possa crescer como um todo, nunca pode crescer em todas as suas componentes. Cada crescimento da "economia" num país/estado/região é necessariamente acompanhado de uma crise/estagnação em um ou em outros paises/regiões. Na prática, o que isto significa é que para que a economia cresça (e só pode crescer através da criação de ricos) é preciso criar escravos numa outra economia, para que os novos ricos possam comprar barato e vender caro.

1.2) A criação de novos Escravos/Pobres numa determinada região económica, e o consequente declínio económico dessa mesma região potencia o crescimento económico das regiões com mais ricos. A crise de um país/região é o crescimento/boom de outra. É impossível o crescimento e progresso de todas as regiões em simultâneo.

O que os pontos 1.1 e 1.2 mostram também pá, é que a solução da economia actual baseada em pouquíssimos Ricos e muitos Escravos apenas se tem de aplicar *Globalmente*. Na prática, as soluções económicas regionais tendem a amplificar as condições iniciais. Isto é, zonas inicialmente com mais Ricos vão tender a produzir mais Ricos, e zonas com mais escravos tenderão a ter ainda mais Escravos (para responder à criação de mais ricos). O que nos leva ao ponto 2, o final deste primeiro capítulo sobre deuses, anjos e padres:

2) No limite, as soluções económicas regionais tendem a afastar-se de tal maneira da solução económica global necessária, que, à mínima perturbação da rede económica global, i.e., à mínima falha da economia como entidade global e em que *todas* as suas partes estão completamente interligadas entre si, as economias locais colapsam brutalmente, resultando num colapso total da economia global.





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