Guinsberg, data e hora desconhecidas
Ainda não acredito que consegui. Ao princípio pensei que fosse realmente como nos romances do Afonso, em que quando se morre se vai para o céu, e então tudo é como nas nossas memórias – límpido, cristalino, perfeito. Mas não. Tudo isto é real e é Guinsberg. Guinsberg, novamente! Guinsberg, finalmente!
Ainda assim, sinto-me como se tivesse sido atropelada (bolas, agora não consigo pensar em nada sem ser com uma analogia do século XXI!), e não consigo deixar de pensar no grito de Afonso. Afinal, aquilo que ele me contou aconteceu mesmo: o meu corpo foi destruído, mas felizmente isso só ocorreu quando a minha mente estava já bem longe. Todavia, sei que o Afonso acabará por descobrir que não morri, e que fui bem sucedida, no regresso a Guinsberg. No fim de contas, não foi essa a ideia que ele me transmitiu, quando me visitou, a partir do futuro? Foi, não foi? (E se isso não for verdade? E se o Afonso apenas me disse aquilo porque não queria que eu alterasse a minha vida e as minhas opções por ele? E se nunca mais nos voltarmos a encontrar?). Calo a voz da reflexão por agora, e concentro-me no mais importante, naquilo que ocupou tantas horas do meu pensamento desde que fui transferida para o Universo de Afonso: Guinsberg. Na prática, o mais importante é voltar para o computador central, até porque estou a utilizar um corpo falso, que gerei quando cheguei a Guinsberg e que, por isso, não possui qualquer nanorobô.
Caminho por uma rua da cidade, e de novo me maravilho com a perfeição Guinsberguiana, embora sejam poucos os carros que deslizam agora, ao longo dos carris magnéticos que não se vêem. Quanto a mim, tento encontrar algum ponto de vigilância central, com vista a comunicar com o computador central, mas, aparentemente, não consigo encontrar nenhum. Por momentos preocupo-me, por temer a vitória dos rebeldes, mas, ao aperceber-me da incrível ordem que se expressa por toda a parte, apercebo-me de que isso não pode ter acontecido.
Marcho durante alguns minutos, e começo a ficar preocupada, quando verifico que os pontos de vigilância permanentes estão todos no modo stand-by (porquê?). Quando olho à volta, acabo por descobrir que estou perto de um centro de teletransporte taquiónico. Por isso, excitada com a minha descoberta, entro rapidamente na unidade, através da introdução de um código secreto – a que tive acesso quando passei a integrar a missão de resistência – e dirijo-me, sem demoras, até ao teleportador. Para isso, vejo-me forçada a atravessar pelo menos uma dezena de corredores, até atingir a plataforma, todos eles absolutamente desertos e silenciosos. Quando estou prestes a atingi-la, há algo que me chama a atenção, no exterior. Ouço um ruído estranho, e a minha mente, treinada, nos últimos dias, para reagir a todos os estímulos, por mais primitivos que sejam, dirige rapidamente a minha atenção para a janela.
O que vejo, faz-me tremer profundamente, e recuar, até isso deixar de ser possível. Porque lá fora há um cenário assustador…