quarta-feira, 18 de julho de 2012

Guinsberg: Crónicas dos Gravitões Rebeldes. O livro que dá parte do nome ao blog já está na amazon para kindle

Guinsberg (Crónicas dos Gravitões Rebeldes - PT Version) (Portuguese Edition) David Sobral
Um jovem hacker português, uma sociedade futurística prestes a criar uma mente global e a abdicar da individualidade, um grupo de rebeldes, e alguém chamado Qu-4567-Al (ou Natasha, para os amigos) que, ao tentar eliminar os rebeldes, se vê transportada para Lisboa, no início do século XXI. Com uma pitada de viagens no tempo e inter-universos. A culpa é toda dos gravitões.Para Kindle e todas as outras plataformas e dispositivos. Nas várias lojas da amazon


Afonso, um jovem hacker português, nunca pensou que a sua incursão pelos computadores da NASA conseguisse ter sucesso… Mas ao fazer o download de um diário, escrito por uma habitante da cidade de Guinsberg (Natasha), Afonso toma contacto com uma civilização verdadeiramente avançada. Uma sociedade que está prestes a dar um importante salto evolutivo: a criação de uma mente global, que implicará o fim da individualidade em prol do bem comum. Uma sociedade futurista e utópica, onde a nanotecnologia, as redes informáticas e os sistemas bioinformáticos levaram os habitantes a um grau de progresso inimaginável. Neste cenário, o passo seguinte, pelo qual a maioria dos cidadãos anseia, depende apenas da derrota de um grupo de rebeldes que se bate pelo individualismo. Todavia, quando o grupo de cidadãos apontados pelo computador central para derrotar os rebeldes – liderado por Natasha – está prestes a vencê-los, algo de inesperado sucede, e a autora do diário é transportada para junto de Afonso, de uma forma que o deixa à beira da loucura.Natasha, a habitante de Guinsberg, habituada a um controlo total por parte de milhares de nanorobôs, e a uma ordem perfeita no que a rodeia, ver-se-á forçada a lidar com uma sociedade em que os estímulos e os impulsos incontroláveis abundam – num mundo caótico, onde há fome, pobreza e ódio – sem no entanto desistir do seu grande objectivo: procurar uma forma de regressar a Guinsberg e integrar a mente global, que ela espera ser já uma realidade, com a derrota dos rebeldes. Mas será também no seio deste mundo ocidental do início do século XXI que ela descobrirá tudo aquilo que a sua sociedade nunca lhe permitiu ver ou sentir, e que reflectirá profundamente sobre tudo aquilo em que sempre acreditou. A vida de Afonso nunca mais será a mesma, sobretudo porque a detecção dos seus actos, por parte dos sistemas de segurança da NASA, e a necessidade de proteger Natasha, fará com que se veja obrigado a revelar um enorme segredo que ele esconde do mundo, desde sempre…
Guinsberg (Crónicas dos Gravitões Rebeldes - PT Version) (Portuguese Edition) David Sobral
http://www.amazon.co.uk/gp/product/B008M584IUhttp://amzn.com/B008M584IU

Portuguese Kindle Books - Livros Kindle em Português

Livros Kindle em Português já disponíveis na Amazon:
O Outro Mundo - Contos (PT Version) (Portuguese Edition) Antologia de contos premiados para amantes de ficção e ficção científica/fantástica, sobre o nosso e muitos outros mundos.Inclui: O Homem que decidiu ser Deus, A mulher que não corria riscos, O sabor amargo das vitórias, O Diário de VX-4010-dh (I), Rumo a SD-GS2056: a Era dos Descobrimentos Espaciais e GR - Gerador de Realidades, entre muitos outros.


Visões de um Outro Mundo (Visions of a Parallel World - PT Version) (Portuguese Edition)
Há um Universo paralelo mesmo aqui ao lado, e está prestes a colidir com o nosso... quanto tempo falta para um novo Big Bang?
Rui William é um brilhante estudante de engenharia física, com uma vida sem excessos, até que uma caneta amarela lhe desperta o interesse, na montra de uma papelaria, e faz com que a compre. Ainda que com reservas, não consegue resistir à aparente vontade do objecto, aventurando-se assim no mundo da literatura, em busca de algo que o rigor matemático não lhe consegue dar. Com isso cria uma personagem, Johanne Ribeiro, mas essa rapidamente se começa a confundir com a realidade. As coisas tornam-se ainda mais estranhas quando recebe um telefonema de uma Johanne, tal e qual a sua personagem, que afirma ser de um outro mundo. Será o universo mais excêntrico do que Rui alguma vez imaginou, ou estará apenas a enlouquecer? Terá a caneta algo a ver com tudo isto?Rui pediu aventura na sua vida, mas nunca esperou que lhe dessem algo assim…

Guinsberg (Crónicas dos Gravitões Rebeldes - PT Version) (Portuguese Edition) David Sobral

Afonso, um jovem hacker português, nunca pensou que a sua incursão pelos computadores da NASA conseguisse ter sucesso… Mas ao fazer o download de um diário, escrito por uma habitante da cidade de Guinsberg (Natasha), Afonso toma contacto com uma civilização verdadeiramente avançada. Uma sociedade que está prestes a dar um importante salto evolutivo: a criação de uma mente global, que implicará o fim da individualidade em prol do bem comum. Uma sociedade futurista e utópica, onde a nanotecnologia, as redes informáticas e os sistemas bioinformáticos levaram os habitantes a um grau de progresso inimaginável. Neste cenário, o passo seguinte, pelo qual a maioria dos cidadãos anseia, depende apenas da derrota de um grupo de rebeldes que se bate pelo individualismo. Todavia, quando o grupo de cidadãos apontados pelo computador central para derrotar os rebeldes – liderado por Natasha – está prestes a vencê-los, algo de inesperado sucede, e a autora do diário é transportada para junto de Afonso, de uma forma que o deixa à beira da loucura.Natasha, a habitante de Guinsberg, habituada a um controlo total por parte de milhares de nanorobôs, e a uma ordem perfeita no que a rodeia, ver-se-á forçada a lidar com uma sociedade em que os estímulos e os impulsos incontroláveis abundam – num mundo caótico, onde há fome, pobreza e ódio – sem no entanto desistir do seu grande objectivo: procurar uma forma de regressar a Guinsberg e integrar a mente global, que ela espera ser já uma realidade, com a derrota dos rebeldes. Mas será também no seio deste mundo ocidental do início do século XXI que ela descobrirá tudo aquilo que a sua sociedade nunca lhe permitiu ver ou sentir, e que reflectirá profundamente sobre tudo aquilo em que sempre acreditou.A vida de Afonso nunca mais será a mesma, sobretudo porque a detecção dos seus actos, por parte dos sistemas de segurança da NASA, e a necessidade de proteger Natasha, fará com que se veja obrigado a revelar um enorme segredo que ele esconde do mundo, desde sempre…


Whispers of a Lost Dream (Pedaços de coisa nenhuma - PT Version) (Portuguese Edition) David Sobral

Whispers of a Lost Dream é a história de um conjunto de personagens que contam na primeira pessoa o mundo angustiante e intolerável em que estão mergulhados, e que vão revelando, palavra após palavra, os sonhos que perderam pelo caminho, e os laços que porventura os uniram no passado. Haverá esperança, mesmo quando nada faz sentido?"A vida é feita de pedaços – de inúmeros pedaços de coisa nenhuma. Pedaços vazios que nos rodeiam e nos prendem, pedaços de nada que nos sufocam no vazio de viver.Só na memória há um pouco de luz, um pouco de ar puro, uma esperança que resiste, ano após ano, década após década, como se no mundo existisse a palavra que só poetas e escritores sabem pronunciar correctamente: a eternidade. Sim, parece que em mim existe algo de eterno, como se um pequeno ponto de luz possuísse uma força inimaginável, capaz de resistir às incontáveis investidas cruéis da parte do mundo, e como se esse pedacinho de mim fosse realmente imortal.O mundo torna-se difícil, mais e mais árduo, a cada segundo, a cada minuto, hora, dia (porque na realidade o tempo é agora apenas uma confusão inultrapassável). É impossível viver. E só de o pensar, só de reflectir na palavra que há tanto deixou de fazer sentido para mim – viver –, sinto de novo as paredes do quarto a descerem sobre a minha mente em fúria. E eu sou as paredes, incertas e brancas. Sou o quarto sem rumo, a casa, a noite. Mas não sou eu, não sou a minha mente pensamento ideias, não sou nada, não sou ninguém não sou não sou não sou!..."

http://www.amazon.co.uk/s/ref=ntt_athr_dp_sr_1?_encoding=UTF8&field-author=David%20Sobral&search-alias=digital-text

domingo, 24 de junho de 2012

Deuses, Anjos, Padres e um Mundo de Ricos e Escravos

Meus amigos e amigas que andam meio perdidos nesta coisa da crise pá; há boas notícias. O grande-guru-expert da economia chegou para vos elucidar. Para vos iluminar a mente e a alma, e vos libertar de todas essas dúvidas que dia após dia vos atrofiam a mente. Para vos dizer aquilo que, por talvez ser tão óbvio, nunca vos é dito, ou é sempre camuflado. Para que saibam que o mundo em que vivemos não é assim tão complicado. Apenas o tornamos complicado porque respondemos de forma complicada a desafios e questões tão simples. Pá.

Então é assim, pá. Por mais que queiram acreditar, ou vos repitam, dia após dia, a "economia" é algo que não está vivo/a. Que não existe. A "economia" é uma palavra, e daquelas que não vem nos livros de ciência. O que significa que é quase tão problemática/subjectiva como o anjo Miguel ou o arcanjo Francisco (não, não importa se isto são mesmo nomes de anjos ou não, obviamente; era só para dar um exemplo parvo pá) - ou seja, não significa nada. Já os mercados, obviamente, são os deuses que mandam nesses anjos. E quando os deuses estão zangados, os anjos ficam parados/estagnados (e ai, meu deus, que é a criseeeee!). Os políticos/decisores - infelizmente - são bem reais, e, sabe-se lá porquê, são os padres da doutrina. São os que dizem/acreditam (malucos pá!) ouvir os anjos da economia a sussurrar-lhes o que os mercados (deuses) querem que aconteça ou não. Os políticos são os padres que raptam virgens para sacrificar. Que nos roubam ovelhas e carneiros de natal ou de férias, e os sacrificam em nome dos deuses mercados, com esperança que os deuses fiquem satisfeitos e que ponham os anjos a mexer.

Portanto, e caso ainda não tenham concluido algo semelhante, a situação actual, com anjos e deuses e padres que acreditam em sacrifícios é mesmo isso. Uma esquizofrenia/alucinação de tal forma marada e uma doutrina que é mais contagiosa e perigosa que a peste negra, pá!

E o pior é que, tal como qualquer doutrina/crença sem sentido, a trindade dos "deuses, anjos e padres" (mercados, economia, políticos) é um conceito que se apresenta à prova de qualquer evidência experimental. Não se pode sequer questionar. Não existem alternativas. Porque, para os crentes, até Fernando Pessoa se enganou, pá. Claramente o gajo devia era ter escrito:

"Os Deuses querem, os padres sacrificam, os anjos crescem."




Mas deixemo-nos de parvoíces em que a quase totalidade do mundo político e "económico" acredita, e que estão a conduzir o planeta inteiro para a maior crise de estupidez desde a idade das trevas. Vamos a factos.

Nunca na história do planeta existiram tantos como nós. Nunca vivemos - em média - tantos anos (embora talvez já tenhamos vivido melhor, pá!). E nunca tivemos acesso a tanto conhecimento como hoje. O nosso potencial físico, tecnológico, biológico e mental atinge hoje níveis absolutamente inimagináveis. E, no entanto, estamos de tal forma preocupados com o que os deuses pensam, e viciados nas "oferendas" trazidas pelos anjos, que, ainda que estejamos a viver no que potencialmente deveria ser a verdadeira idade do ouro da humanidade, comportamo-nos como autenticos totós. Já nem à Lua chegamos pá! Já nem podemos sonhar! E, com isso, condenamos a esmagadora maioria da população a vidas que, ainda que possam ser mais longas, são cada vez mais infelizes e deprimentes. E porquê? Qual a razão?

Eu explico porquê. Afinal, pá, é simples como um raio.

É que os anjos da economia não são anjos. Não existe uma "economia". Porque a "economia" somos todos nós. E nós, pelo que parece, gostamos é de "comprar" pelo preço mais baixo (mesmo que seja estupidamente baixo), e vender pelo preço mais alto (mesmo que seja estupidamente alto). E queremos todos "crescer" e "enriquecer". Ora será possível uma receita mais propícia ao desastre? Uma "economia" em que toda a gente quer, simultaneamente, comprar pelo preço mais baixo (ou seja, uma economia em que, em igualdade e justiça seria impossível enriquecer) e vender pelo mais alto (ou seja, uma economia em que, em igualdade e justiça, todos iriam enriquecer)? Alguém já tentou resolver essa equação? Ora cá vai disto pá, o ponto mais importante de tudo isto, número 1 (que nice pá):

1) Num mundo justo, a equação mais simples da economia actual não tem solução, e, portanto, é impossível a economia actual existir e ser justa.

A unica maneira de satisfazer a equação básica da economia actual é (que génios que somos pá!) através da existência de escravos (E) e ricos (R); ou seja, de pessoas que, pelo mesmo trabalho, podem receber aproximadamente nada, ou aproximadamente tudo. Neste caso, a equação da economia mundial passa a ter uma solução numérica que, não sendo exacta, se ajusta em função do número total de escravos e do número total de ricos, havendo relações entre o número de ricos R e o número de escravos, E. Para os malucos que gostam de matemática pá, o que estamos a falar é de algo tipo:

E=R^D (Escravos = Ricos ^ [Expoente da Desigualdade] )

Que são soluções (entre outras) da equação económica. D é o expoente Desigualdade - quanto maior tiver que ser D, maior é a desigualdade necessária entre número de Ricos e Escravos para satisfazer a "economia".

Esta é a única maneira de garantir que uma economia Mundial feita de pessoas que querem simultaneamente comprar a preços ridiculamente baixos e vender aos mais altos preços funciona. Como é óbvio, em geral, e de forma simples, só os Ricos podem vender coisas a preços altíssimos e comprar as coisas aos mais baixos precos, enquanto os Escravos só podem vender coisas a preços baixíssimos e comprar coisas a preços altíssimos. Viva a igualdade e os direitos humanos! Todos nascemos iguais pá!... Viva o progresso e a igualdade!




O que nos leva a consequências importantes e necessárias para compreendermos o mais básico do que se passa à nossa volta, e que são consequências do ponto 1 e das suas soluções dinâmicas e aproximadas de uma economia de Escravos e Ricos:

1.1) A economia mundial actual, ainda que possa crescer como um todo, nunca pode crescer em todas as suas componentes. Cada crescimento da "economia" num país/estado/região é necessariamente acompanhado de uma crise/estagnação em um ou em outros paises/regiões. Na prática, o que isto significa é que para que a economia cresça (e só pode crescer através da criação de ricos) é preciso criar escravos numa outra economia, para que os novos ricos possam comprar barato e vender caro.

1.2) A criação de novos Escravos/Pobres numa determinada região económica, e o consequente declínio económico dessa mesma região potencia o crescimento económico das regiões com mais ricos. A crise de um país/região é o crescimento/boom de outra. É impossível o crescimento e progresso de todas as regiões em simultâneo.

O que os pontos 1.1 e 1.2 mostram também pá, é que a solução da economia actual baseada em pouquíssimos Ricos e muitos Escravos apenas se tem de aplicar *Globalmente*. Na prática, as soluções económicas regionais tendem a amplificar as condições iniciais. Isto é, zonas inicialmente com mais Ricos vão tender a produzir mais Ricos, e zonas com mais escravos tenderão a ter ainda mais Escravos (para responder à criação de mais ricos). O que nos leva ao ponto 2, o final deste primeiro capítulo sobre deuses, anjos e padres:

2) No limite, as soluções económicas regionais tendem a afastar-se de tal maneira da solução económica global necessária, que, à mínima perturbação da rede económica global, i.e., à mínima falha da economia como entidade global e em que *todas* as suas partes estão completamente interligadas entre si, as economias locais colapsam brutalmente, resultando num colapso total da economia global.





sexta-feira, 22 de junho de 2012

Nao fomos feitos para escrever. Nem para colocar pontuacao. Tao-pouco fomos feitos para ler. Ou estudar. E, no entanto, fazemo-lo. Cada vez mais. Cada vez mais. intensamente.

Nao fomos feitos para vivermos em grandes cidades, fechados em cubiculos que decoramos com premios comprados por uma coisa a que chamamos dinheiro e que - imagine-se, nao fomos feitos para usar. Nao fomos feitos para viver vidas inteiras sem termos que colher, produzir ou apanhar os nossos proprios alimentos. Nao fomos feitos para nao termos filhos e para vivermos para nos. nos. nos.

Nao fomos feitos para mandar no mundo. Para acharmos que mandamos nele. Muito menos fomos feitos para negarmos o nosso corpo. Nao fomos feitos para vivermos num mundo virtual, numa de muitas realidades inventadas. E, no entanto, fazemo-lo. Cada vez mais. Bilioes e bilioes de pessoas.

E somos bilioes e bilioes de pessoas. Quase todos nos a fazermos mesmo muito de tudo aquilo para o qual nao fomos feitos. A fazer repetidamente todo um conjunto de coisas para as quais nao fomos feitos.

E fazemo-lo com tal empenho, e com tal cegueira, que nem nos apercebemos da enormidade de coisas que fazemos e para as quais nao fomos feitos. Se na rua vissemos uma maquina de cafe a tentar servir de autocarro, ou uma escova de dentes a tentar alcatroar uma estrada, nao hesitaríamos em ver o que estava ali mal. Ficariamos chocadissimos.

E, no entanto, quando olhamos uns para os outros, dias apos dia, achamos natural. Naturalissimo.

domingo, 22 de abril de 2012

Quase: a negação do presente em nome do futuro que nunca virá

Há um quase que quase chega. uma brisa que quase sopra. Há um céu azul que se azula ao longe.

Há sonhos - tantos sonhos - por sonhar. Flores por cheirar. Textos e aromas por pontuar.

E ha gestos que ficam sempre por dar. palavras por dizer. acentos por escrever. rimas sem sentido. vidas sem rumo. estradas sem ninguém. ao longe. aqui.

No mundo ha sempre um quase que se chega já ali e já só falta mais isto. Um só mais um pouco e depois aquilo para só restar um pouco mais e encontrar. Um quase que é quase para estamos quase quase a chegar.

Ha um quase que quase chega. E há um mundo inteiro esperando. Que do nevoeiro que escolhemos nasçam os sonhos que partiram no dia em que morremos.


quarta-feira, 28 de março de 2012

Estrelas em tons de medo

fizeram do Sol uma lua e da lua o silêncio. cantaram a esperança e sussurraram sonhos. mas no céu pintaram por cima das estrelas em tons de medo. dançaram connosco, em sorrisos e passos que faziam vibrar a própria terra, mas quando a música acalmou silenciaram-na como que para sempre. abraçaram-nos na nossa hora mais frágil e garantiram-nos o mundo enquanto pareciam querer secar-nos as lágrimas. mas apenas para nos tornarmos ainda mais vulneráveis, mais expostos ao caos do mundo, mais perdidos e sós numa multidão tão vasta, e ainda assim tão isolada. fizeram-nos crer num abismo em que acreditámos cair.

e hoje reinam eles, fazendo da magia e dos sonhos de ontem o medo de hoje e a incerteza do amanhã. hoje chora-se baixinho, para não se ser ouvido. hoje tem-se medo de sonhar. hoje, sem o calor da cor no horizonte, e sem o cantar da mão do futuro, e sobretudo com a voz electrónica e infinitamente distante de ecrãs hipnóticos sem alma, estamos cada vez mais longe de podermos ser nós.

mas por mais que tentem esconder as estrelas por detrás de cenários falsos; por mais que queiram silenciar a música que se tocava aqui e em todo o lado; por mais que nos tenham levado a esperança, e por mais que nos encham o olhar de medos sem fim, há sempre algo que lhes escapa por entre os dedos, há sempre um zumbido distante que os incomoda, um ponto de luz distante que não os deixa dormir. o tempo. o tempo. o tempo. segundo a segundo, volta a volta, noite a dia.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Confessions of a Dark Energyholic, Old Universe: Ours

I still remember the look on the faces of some of the most distant Universes as we started to change and “do it”. To literally grow out of nothing. It was fun, you know, feeling how space and time were somehow being created within ourselves; within our minds.

Almost all of us eventually followed. Some were more enthusiastic than others, of course. Some wanted to be different, to be special. Others were competitive. And I, well, I was the kind-of-average thing that led to you being able to hear or read or see or feel this text. Yes, I confess, I am your Universe. I am everything that you are made of. Everything you’ll ever see. Everything you’ll ever think. I am your source, your present, your destiny.

I can still see it, you know. The moment after we decided to take that funny substance. That drug. That thing. When we expanded and became more than ourselves. Our bodies grew, and cooled. It was weird. It tinkled. It felt funny. Everything started to change. Individuality arose within ourselves in such a completely unexpected way.

We believed there would be no limits. No boundaries.

“Just a little bit of this dark energy stuff my friend, and you’ll feel a trill like you’ve never felt before” - we were told.

“Why not?”, we thought.

“What’s the worse thing that can happen?”

And so we took it. Just a little bit, we were advised. But we went for a little bit more than a little bit. A full chunk of that expensive, mysterious thing. We swallowed it entirely. All in. And waited. Did we? We couldn’t tell. As the drug went through us it completely altered our perception of time and space. It was such an expansion of consciousness. Like we were ten, hundred, thousand, a million times wiser and smarter.

It was such a thrill, but scary as hell. It felt like each and every single bit of me was expanding and expanding. Constantly changing. Creating new structure, revealing new structure. Allowing for things which weren’t there before. And then, in a moment of ecstasy, it was like we were free and our bodies weren’t plasma anymore. We were free, and we danced and sang and screamed. Like there was no tomorrow. As if it could last forever.

Until it faded away. Such a huge hangover! It was dark. And we didn’t stop growing, expanding. It was dark. We were cold, and we kept getting colder. And colder. We were - above all - scared to death. At that time, every single Universe was on it. Doing it. Drinking it. Smoking it.

“Dark Energy gives you wings”, they would say, but now I think that it just made us dark, and cold, and huge. It never actually took away the sense of loneliness that was inside us to begin with. And there was something else as well. When we took dark energy. There was this other thing growing inside our bodies. Struggling to dominate it. Specializing, structuring. As if millions of invisible spiders were building an intricately complex network of webs. Some called it cancer. Some said it was a blessing. Others simply didn’t care. But we were worried. We thought dark energy was to blame - but those that sold it managed to calm us down.



“We have the solution. The cure! This amazing new product will solve it all. Guaranteed.”

I remember when the new product came to the multiverse market. It wasn’t dark energy, and - we were told - it would have no negative side effects. “This will make you glow and defeat darkness”. The new product would make us shine. From the inside. It was meant to attack the web of cancer that at that time had already spread throughout our bodies.

“Let there be light” was the name of the thing - but it ended up being known as “the gas”.

So we took “the gas”. In insane amounts. Literally: insane amounts. It was so cheap. So abundant. So we bought it and we took it in. More and more. And it was absolutely amazing. The gas would follow the dark web and would fill every single core of it, collapse in them, cool down and then, something even more remarkable: light. Stars!

It worked! The most intense sources of light forming within the highest densities of darkness. And it was so amazing that we would do it all the time, everyday. Taking more and more gas and forming more and more gigantic, luminous stars.

“The perfect drug! Why shouldn’t you do it?”

“Light yourself up without side effects!”

“Let there be light and defeat all the darkness within you!”

The advertising was diverse. Aggressive. Impossible not to believe in. No Universe could live without it.

We were warm, glowing. We felt happy. We were happy. Alive!

But even then, the effects of the dark energy giving us wings were still there. We were still expanding in between the webs. Stars did not lighten up such regions. They couldn’t. They were designed to target the physical form of the cancer, not the voids. So we kept getting bigger. Unsustainably bigger.

Besides, the cancer was still growing. Developing. Becoming intrinsically more complex. Connecting webs were getting denser. Really, really dense. The gas would be conducted there at insanely high rates. More and more. Stars would form. But not just one or two. There would be hundreds. Thousands. Millions, forming and shining at the same time. There would be cities of stars, and cities of cities of stars. And cities of cities of cities of stars. Giant structures. Rising. Like giants. Like nothing we had ever seen before. And they would collide, interact, and become even more luminous.


The thrill was such that we stopped thinking about the future. About the possible consequences. Of what was to come. We just felt it. Running through our veins, our skeleton. We were alive. We were alive. Alive! Full of live. Of light, of stars. We were fighting the cancer. We were using the cancer to fight itself. We were winning. We would be cured.

Soon enough though, some of us started to get out of this amazing high, only to realize that it couldn’t last forever. That even though the battle had been won, the war would never be ours. Because, suddenly, prices went insanely up. The gas became so expensive. And then there was no more gas. Not anywhere. Not anymore.



By indulging in such ecstatic moments of gas consumption, we doomed ourselves to extremely short lives. Although we lived like there was no tomorrow and, in doing so, we completely outran the darkness - we did it at the expense of using too much gas. And even though stars would, in some way, be able to recycle themselves, indulging in such fast production ended up not only using up the gas, but losing it into the very cores of the highest darkness densities, where it would be so hot that it wouldn’t form new stars anymore.

Out in the fields, through the filaments - that’s where the gas was able to survive longer. Where stars were formed slower, in a much more sustainable way. Sustainable stellar agriculture, we called it. So soon, the early scream of victory over the largest cancer lumps was silenced. There were no more new stars being formed. There was no more gas to feed the war against the dark web. And so darkness, which had already won in the largest voids (where no stars would form, as gas could not collapse there) would easily win in the cores of the densest clumps. And then in smaller clumps. And smaller still.

Soon, there was no hope left. No gas left. We were alive, yes; we had light, but we knew it was only a matter of time. So we got desperate. Depressed. We needed something. Urgently. We needed to feel! We wanted a future! A different future! We demanded it! We needed a drug. We wanted to live!

So we went back to what we knew. To the very beginning. It was the only option. At least it felt like the only option. The obvious option. It was what we needed. What we wanted! Because we dreamed about the high. That initial high. We were getting dark, and desperate. So we looked for it. Dark energy. Wasn’t that the cause? We couldn’t tell, or we simply didn’t care, because we couldn’t think anymore. We were desperate. Aging, getting dark. And what else was there for us to lose anyway? And so we went for it. We took it all in. And it was great. Awesome. Miraculous. The amazing expansion of consciousness. Expanding, expanding, expanding - here we go again, to infinity and beyond. Nothing can stop us! Not now. Not ever.

We were wrong, of course.

Now we’ve even ran out of dark energy and, of course, there’s no more gas to take in and feed the production of a significant new population of stars. We are alone. We can’t fix ourselves. We are getting darker. Full of voids. And voids are growing. Not just constantly, but, literally, accelerating. The last dark energy that we took in was our third mistake. Maybe our final mistake. But we all took it. We couldn’t help it. It was stronger than us. And now we are doomed. Our faith is to expand, forever expand. The very little gas that’s still around will soon be spent in the last few generations of stars. It will be used. Stars will slowly fade away. We will be huge, giants. But empty and dark.

Unless you figure it out. Yes, you. Surely, we made mistakes. We wanted to live so badly that we didn’t think about the consequences. But it wasn’t all for nothing. Some Universes will disagree. But some Universes do not know you exist. Yes, you. You. I know you exist. That you are alive. That you are a Universe. That you can think. That you also make mistakes. You are capable of the most horrible, but also the most astonishing, brilliant things. You can dream, write, think, love. You have science. You have wings. You have music. You are music. You have others like you. You can work together. Together. Together, you can find a way to make light out of dreams. The future is still yours. Hope. That’s what you are. My hope. You are not a star, but you are made of something ultimately much more remarkable than light itself: life. And with your dreams, with your beauty, with your hopes, you are capable of more than just light. You are capable of everything.

sábado, 30 de julho de 2011

 Hoje o dia nasceu mais tarde do que o costume

Hoje o mundo nasceu sem cedilhas ou acentos. Sem circunflexos, sem graves, sem agudos. Mas ainda ha pontos finais. Ainda há virgulas, ainda ha maiúsculas. (e, na verdade, ainda há acentos e tudo isso, so estão escondidos por enquanto).


Hoje o dia nasceu mais tarde do que o costume. Mas ninguém se importou. Ninguém deu por isso. So tu. E eu. So tu e eu porque so tu e eu vivemos num mundo que e' so nosso, num mundo em que o sol nunca se atrasa.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Inércia

A pausa sabe tão melhor depois da corrida. Depois de um movimento que parecia não ter fim. Parar. Parar e saber - confiar, acreditar - que o mundo inteiro, fora de nós, não vai parar connosco. Não pode parar connosco. Não pára, de todo, connosco.

A pausa é este sabor a chá, no meio da conversa de café. Esta brisa de mar por cima de carros que circulam e circulam, e circulam. E circulam sem parar, como se não tivessem nem fim nem origem - como se os seus destinos fossem tão simples como não terem qualquer destino.

Há coisas que parecem não mudar nunca, mesmo quando paramos. Mas mudam. E por isso a verdade é que há coisas que mudam pouco, mas que cheiram de forma igual e nos evocam as mesmas memórias. E fazem-no de forma tão intensa, que pensamos que não mudaram nada, nunca, e nunca o farão.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Ao luar

Quantas vezes ao luar não perguntaste tu pelo mundo inteiro? Bola de luz sem luz. Estrela que não o chegou a ser. Que nunca o será.

Quantas vezes ao nascer do sol posto
não te questionaste tu sobre a vida, a morte,
e o mundo inteiro
que começa e acaba sempre
a cada instante?

domingo, 29 de maio de 2011

Futuro, pensar, viver


O futuro está nas mãos de quem não o quer agarrar. O futuro é de quem não o persegue, e por isso o consegue olhar com o fascínio com que se olha um nascer-do-sol, ou um barco que surge no horizonte.

O Mundo é apenas redondo para quem o faz girar, para quem o consegue moldar - mesmo sem querer -, para quem o quer pensar. E o problema, claro, é que pensar incomoda muito mais do que andar à chuva. Porque ao menos quando se anda à chuva sabemos que estamos vivos. E para pensar não é preciso estar-se vivo - é apenas necessário existir-se. E por isso, até as pedras podem pensar. Ou o mar. Um átomo. Até tu pensas. Talvez até eu! E estas palavras. Só que viver neste mundo redondo e conseguir escrever o futuro é algo muito para além da simplicidade do pensamento.

Viver é aprender a parar de pensar nos momentos certos, e acreditar no impossível - nem que seja por um único instante.

terça-feira, 24 de maio de 2011

2011

Chegámos. Partimos.
O Hoje aconteceu ontem.
O amanhã é agora.
O infinito está quase a chegar.

Mas a pergunta que realmente se coloca
Aqui, hoje,
tem de ir muito para além de nós;
para além do tempo,
de qualquer momento.

A pergunta que verdadeiramente se coloca
é

será que vale mesmo a pena
perguntar?

domingo, 22 de maio de 2011

Mar

No mar há mais do que na vida e na morte. Há um equilíbrio ainda mais frágil, ainda mais intenso, e um potencial que não muda, não se transforma, nem se gasta nunca.

No mar há mais abraços do que em terra, mais frescura do que no ar. Mais magia do que na própria magia.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Paz


A paz corre aqui.
No piano do rio que caminha sempre.
Na melodia das ondas do mar
que o esperam
e nas milhares de milhões de estrelas
que a tudo assistem sem sequer respirar.

Todas as noites
no mesmo lugar
a magia acontece
e fá-las delirar.

É o mundo que existe, assim,
sem ter que brilhar
e queimar
que inspira o Universo inteiro
a sonhar.
A paz. A terra é paz.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Dias

Há dias em que o caminho demora mais a chegar ao fim. Em que as curvas nos fazem virar demasiado. Em que as rectas não nos levam a direito. Há dias em que a noite vem logo. Em que não conseguimos ter tempo sequer para respirar. Nem para sorrir.

Há dias em que faz tanto calor. Mesmo quando está tanto frio. Há dias em qe não conseguimos ser nós. Dias em que somos uma outra pessoa. Dias em que o mundo gira. Frenético. Dias que são 1 minuto, 1 segundo, e que nem um instante são. Há dias, e dias. E o amanhã, como será?

sexta-feira, 13 de maio de 2011

A Terra roda ao contrário


Hoje o tempo nasceu a andar para trás. Hoje o dia morreu no nascer no sol. Hoje o sol nasceu no mar. Por detrás do mar. Ou pôs-se e o tempo andou para trás. Ou o tempo passou mesmo, definitivamente, a andar para trás.

Hoje acordámos com o brilho do sol a elevar-se, a separar-se do mar, e foi como se estivessemos a sonhar. Num daqueles sonhos estranhos que nunca conseguimos compreender.

Hoje, o sol nasceu no mar, e foi como se a Terra tivesse começado a rodar ao contrário.

domingo, 8 de maio de 2011

A vontade de abraçar o mundo e de o criar



O sol e o vento
e um horizonte
que abraça o momento
que é montanha, monte,
mar, céu, vida.

A luz e o ar
e o vermos mais longe
esta vontade de abraçar
de sentir, de tocar, de sonhar
de ser o mundo
e de o poder criar.

Fotão e azoto
num verso que não pára
que não pode
que não quer acabar
ordenando o poeta
canhoto
que há sempre mais
há sempre mais
para navegar.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O que realmente faz falta!



O que faz falta não é (apenas) animar a malta. O que nos faz falta é sentir. Saborear. Correr. Respirar. O prazer e a satisfação não vêm apenas do que é doce, e os perfumes mais inspiradores não cheiram necessariamente a flores. Sim, a vida é onde se fazem os filmes da disney; mas a vida não é um filme da disney. Na vida não há bons nem maus. Heróis ou vilões. Na vida não há finais felizes daqueles em que o que se ganha quase sem esforço se torna nosso para sempre - no matter what. Não. A vida é muito mais do que isso. A vida está viva. Não há infinito na vida. Não há para sempre. Não há direitos adquiridos. A vida é a vida. É uma luta constante contra a entropia. É uma luta que, individualmente, vamos sempre perder, mas que juntos podemos vencer. A vitória perpétua, o adquirido, o vitalício, o “para sempre” - nada disso é vida. A isso, ao para sempre, ao que não vai mudar nunca e é adquirido, não se chama vida. Mas existe. Chama-se morte. Chama-se baixar os braços. Desistir. Por isso, o que faz falta, o que faz mesmo, mesmo falta, é viver. É amar. É dar. É darmos as mãos e chegarmos mais longe. Lutarmos para, não contra. Descobrir. Viver. Viver. Viver!

terça-feira, 26 de abril de 2011

Linhas que dividem para Unir

Às vezes desenhas linhas sobre os campos onde se cultiva vida. A tua vida. Como que tentando dividir. Separar. Só que não é para separar. Dividir é unir. Unir verdadeiramente. Pelo menos se o muro for baixo. Se conseguirmos ver o que há para lá. Se convidar à conversa com o vizinho. Com as outras dimensões da vida. Com o mistério que há para além de um muro. E tu tentas sempre dividir bem, para unir melhor.

Nos campos que são a tua vida traças linhas rectas. Esforças-te. Formas geométricas para áreas métricas e superfícies perfeitas. Mas o mundo não é quandrangular, não se resume a rectas, não se paralelisa tão simplesmente. E tu sabe-lo. Por isso libertas-te na divisão. Quebras a noção perfeita de perfeição para a tornar mais humana. Para a tornares humana. Porque a perfeição de linhas rectas só cheira e sabe a perfeição para quem não sabe o que é ser humano, para quem nunca viu o mundo como tu o viste. Por isso esqueces a matemática das linhas perfeitas e dás-lhes aquele travo amargo de cada grão individual de café, amadurecido na encosta de uma montanha distante. Salpicas grãos de canela. Lanças o perfume de pétalas de flores cujo nome desconheces, mas o perfume te inspira sonhos, e salgas tudo com o mar inteiro. O mar inteiro. Estilhaças e partes edifícios gigantes, sopras o vapor de comboios que outrara percorreram o mundo e que hoje são só memórias, e queimas a gasolina que se há de queimar toda até não haver mais. Num cheiro intenso. Num sabor que explode, na intensidade de se estar vivo. Divides e re-divides. Humanamente. Imperfeitamente, porque é a imperfeição que melhor sabe a vida. E sem receitas ou fórmulas, saltas os teus próprios muros e quebras fronteiras acabadas de criar.

Às vezes desenhas linhas no campo onde crescem as tuas memórias, onde amadurecem os teus sorrisos, onde os teus sonhos proliferam. Onde as lágrimas chovem. Onde a mágoa sopra em tempestade. Às vezes desenhas linhas sem saberes ou te aperceberes que, ao desenhá-las, ao escreve-las em ti, pintas versos e frases e textos e música num Universo que podes tocar e sentir e criar, mas que, a cada segundo, se estende, mais e mais, para além de ti, até ganhar as suas próprias asas e saber voar, rumo ao infinito. Às vezes desenhas linhas no campo da tua vida, para dividir e unir o que és. E ao fazê-lo, tornas o mundo de todos os que te rodeiam tão melhor.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Mundo-Mundos


O Mundo é uma bola. É plano. É finito. Nunca acaba. No fim do mundo cai-se num abismo sem fim. O fim do mundo não existe. O nosso Mundo roda sempre sem parar, frenético. É estático. Constantemente em mudança. Nunca muda. É imperfeito. Fantástico. Corrupto. Vivo. O Mundo é um Universo. O Mundo é uma formiga. É mais pequeno do que uma formiga. O Mundo nem se vê. O Mundo somos nós. O Mundo é infinito. É tão maior que nós que nem nos vê. O Mundo. O Mundo. O Mundo. Esquerda. Direita. Para a frente e para trás na 5ª dimensão. Dividido e Paradoxal, o mundo é mais unido. O Mundo é o mundo.

domingo, 24 de abril de 2011

Página Em Branco


Às vezes quando escrevo, deixo assim uma página em branco. Pelo menos uma. Um zero. À esquerda. Uma página em branco à esquerda. Só porque sim. E porque não. Mas sobretudo para irritar o bicho papão. E o outro parvalhão. Para chatear cada politiquês, cada economicistista, cada explorador de cidadão, profissional ou amador, declarado ou ainda no armário. Daqueles cromos que sairam das cadernetas e que a toda a hora dizem e gritam e cantam défice, ratings, crise e vivem tudo isso com muito mais fé do que os crentes vivem a fé no deus deles.


Eles irritam-se tanto com uma página em branco. Totalmente em branco. Uma página em branco chateia-os. É um zero que nem sequer chega a sê-lo. É o nada. E isso irrita-os profundamente, porque não o conseguem dividir como os tachos; porque já não há nada a tirar, nada a roubar; não dá para multiplicar, hipotecar, vender, alugar ou privatizar. Sim, uma página em branco, o nada, é o pior pesadelo do economicistista, do explorador de cidadão, do agricultor de crises. Uma página em branco não tem défice, não dá para aplicar austeridade. De nada vale aumentar o Iva numa página em branco. Pior ainda: numa página em branco ninguém é especialista, não há receitas, não há fortunas, não se vai à TV, não se fazem comícios. Uma página em branco não lhes dá um motorista. Nem sequer lhes dá um voto.

É por isso que às vezes quando escrevo deixo uma página em branco. Porque não há nada mais fantástico, mais inspirador e revelador do que uma página em branco.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Álvaro e os Campos


Sabes, um dia um Professor deslocado deu-me um livro. Acho que era um prémio. Ou um rebuçado. Não sei bem já. Mas era um livro. De poemas. Não, de poesia. Sim, um livro de poesia. Era diferente o livro, sabes. Os poemas são rios e os rios são belos e frescos e moldam vales e tornam-nos férteis ao longo das montanhas. Mas a poesia, a poesia é a água toda, também dos rios, mas sobretudo dos mares e Oceanos. E esse Professor deu-me um livro cheio de um mar que é a poesia. De Fernando Pessoa quando ele era Álvaro de Campos. Um livro de quando o Álvaro de Campos era o Fernando Pessoa e as suas mãos escreviam num papel que já não há. Num tempo que já foi e não vai voltar nunca.

Nesse dia não me lembro do que pensei. Se quis ser como o Professor deslocado que falava o tugalês com sotaque a pint, se queria beber pints com sotaque tuga, se queria ser o Fernando Pessoa a ser o Álvaro de Campos, se queria ser o Álvaro de Campos a ser o Fernando Pessoa, ou se queria ser apenas aquele leitor, ali mesmo, a mergulhar na poesia.

domingo, 17 de abril de 2011

Cada


Em cada cor há um texto para pintar
em cada gesto uma melodia para dançar
um padrão que se repete
um sol que não se põe
um horizonte que se estende
para além do infinito.

Em cada segundo que não pára
há um poema que não lemos
um filme que não vemos
um chá que arrefece.

A cada som, a cada choro
a cada brilho escuro em nós e por nós criado
há uma guerra de um silêncio que nunca sabemos
como terminar.
E cada corpo, cada passo por dar
ao ritmo e forma do compasso
faz da vida a escolha mais profunda
- morrer vivendo
ou viver a morrer.




O sabor da escrita.


Não é a prática, por si só, que matura a escrita e lhe dá aquele sabor único a vida e a mar. A sal, a pimenta, a caril e a alecrim. A álcool. A água. Não é a insistência ou a persistência por si só que dá o sabor à escrita. Talvez lhe dê um certo perfume que atrai - e por um instante domina - mas não é isso, nunca é isso que salga a escrita.

O que verdadeiramente matura a escrita é a vida. Cada lágrima. Cada sorriso. Cada sonho. Cada desilusão. O mundo inteiro. Mil viagens. Lixo. limpeza.


O que matura a escrita é sentir o mundo. Ontem agora, amanhã. Desta, daquela, de todas as maneiras. Sem filtros, com filtros, com óculos, sem telecópios, aqui e além.


sábado, 16 de abril de 2011

Livros: uma espécie em vias de extinção


Será que ainda se escrevem livros a sério? Daqueles em que as palavras se criam numa dança de papel e tinta? Daqueles escritos ao luar, num beijo ao estalar da lareira, ou ao som do bater das ondas na areia?

E será que ainda se lêem livros a sério? Mão na mão, com pausas para respirar o papel, para sentir as páginas e ouvirmos a tinta no papel? Com tempo para respirar a criação de mundos e pensamento e Universos que, na verdade, nunca existirão? Ou seremos já nós mesmos, as máquinas que tanto temíamos?

Pensamentos à beira de todo o lado

I

Céu

Lá fora há vida, mas quase não há luz. Há verde. Talvez sorria a vida, lá fora. Com aquela felicidade que nos faz ser estrelas e vida e sonho. Mas está escuro. Não há sol e o céu é cinza. Escuro. Mas também não chove. Mas tu não estás aqui. Por isso está escuro. É por isso que está escuro.

II

Caledonian Crescent

Às vezes damos por nós em locais que não só não esperavamos estar, mas sobretudo lugares que nem sabiamos que existiam. Como hoje, aqui.

III

Há na força da Terra
expressa no som da água a correr como se o fosse fazer para sempre
algo profundamente atractivo. Natural.
Fascinante.

IV

Não importa que a palavra possa parecer esgotar-se. Que o cansaço pareça ganhar. De nada vale lutarmos de mais - desesperadamente, obsessivamente -, quando a luta se torna contra nós mesmos. E, às vezes, o que é preciso é respirar. Largar o peso que carregamos aos ombros e inspirar fundo. Olhar o mar, sentir o silêncio - as várias famílias e espécies de silêncio - ou o frenético buzinar do mundo. Afastarmo-nos do Universo para nos encontrarmos nele novamente. Para o podermos ver novamente. Senti-lo, cheira-lo, sabê-lo.

Por isso de nada vale a profunda inquietação. Não vale a pena gritar. De nada (ou pouco) vale seguirmos assim, nessa ânsia de chegar, de tal forma exaustos que já nem sabemos onde estamos, nem para onde vamos.

Por isso relaxa. Respira. Dá a mão a quem a estende. Estende a mão a quem precisa. Fecha os olhos e acredita. Amanhã, quando a Terra se virar novamente para o Sol, o mundo terá muitos mais sorrisos.

V

Às vezes perguntas-me
se as coincidências que por vezes chovem
são de uma água que não é daqui.
Se são fruto de um fruto
que não se fez aqui.
Por vezes há um dejá-vu
sem fim.
Um nome que retorna
um lugar que relembra.
Um mundo tão distante
e que nos é como a palma
da nossa mão.
E eu nunca te respondo verdadeiramente.
Sorrio apenas.
Sorrio, e partilho contigo
este arrepio profundo
que nos percorre o corpo
e nos explode a mente.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Antigamente


Antigamente, quando eramos pobres e in-evoluídos o suficiente para pisar a Lua e para sonhar com as estrelas, tinhamos - por vezes - visões aterradoras de um futuro que estava para vir. Uma Era dominada por robots e máquinas; um mundo em que a inteligência artificial tomaria conta do Mundo inteiro, transformando-o à sua imagem; cultivando apenas eficácia, produtividade, perfeição, crescimento (viva o FMI!). Sem espaço para a arte, ou a paixão. Sem espaço para um pôr-do-sol, ou uma noite quente de Verão.


E estávamos certos. Essa Era chegou, finalmente. Mas, ao mesmo tempo, errámos completamente. Não nas consequências, mas nos intervenientes. Porque neste mundo onde já não se pode nem deve sonhar; onde a produtividade e dedicação totais às actividades económicas é o que mais importa, e onde não há espaço para humanos, não existem robots de inteligência artificial avançada. Existem, isso sim, humanos de inteligência robótica. Skynet chegou, e é feita por cada um de nós que i-vive rodeado por um mundo que i-há-de i-controlar-nos a itodos.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Palavras

As palavras são algo de exraordinário. Como uma vibração que se torna uma melodia, como uma textura que se torna uma forma; as palavras não existem e, ainda assim, fazem-nos sentido. As palavras, como os gestos e os sorrisos, são as pontes que ligam essas cidades estridentes e poluídas que somos todos nós. As palavras são algo de fantástico, porque ao criarmo-las reinventamo-nos, a nós, ao mundo em que vivemos, e ao Universo inteiro que nos acolhe e rodeia.

segunda-feira, 28 de março de 2011

O Regresso a Guinsberg

Guinsberg, data e hora desconhecidas

Ainda não acredito que consegui. Ao princípio pensei que fosse realmente como nos romances do Afonso, em que quando se morre se vai para o céu, e então tudo é como nas nossas memórias – límpido, cristalino, perfeito. Mas não. Tudo isto é real e é Guinsberg. Guinsberg, novamente! Guinsberg, finalmente!

Ainda assim, sinto-me como se tivesse sido atropelada (bolas, agora não consigo pensar em nada sem ser com uma analogia do século XXI!), e não consigo deixar de pensar no grito de Afonso. Afinal, aquilo que ele me contou aconteceu mesmo: o meu corpo foi destruído, mas felizmente isso só ocorreu quando a minha mente estava já bem longe. Todavia, sei que o Afonso acabará por descobrir que não morri, e que fui bem sucedida, no regresso a Guinsberg. No fim de contas, não foi essa a ideia que ele me transmitiu, quando me visitou, a partir do futuro? Foi, não foi? (E se isso não for verdade? E se o Afonso apenas me disse aquilo porque não queria que eu alterasse a minha vida e as minhas opções por ele? E se nunca mais nos voltarmos a encontrar?). Calo a voz da reflexão por agora, e concentro-me no mais importante, naquilo que ocupou tantas horas do meu pensamento desde que fui transferida para o Universo de Afonso: Guinsberg. Na prática, o mais importante é voltar para o computador central, até porque estou a utilizar um corpo falso, que gerei quando cheguei a Guinsberg e que, por isso, não possui qualquer nanorobô.

Caminho por uma rua da cidade, e de novo me maravilho com a perfeição Guinsberguiana, embora sejam poucos os carros que deslizam agora, ao longo dos carris magnéticos que não se vêem. Quanto a mim, tento encontrar algum ponto de vigilância central, com vista a comunicar com o computador central, mas, aparentemente, não consigo encontrar nenhum. Por momentos preocupo-me, por temer a vitória dos rebeldes, mas, ao aperceber-me da incrível ordem que se expressa por toda a parte, apercebo-me de que isso não pode ter acontecido.
Marcho durante alguns minutos, e começo a ficar preocupada, quando verifico que os pontos de vigilância permanentes estão todos no modo stand-by (porquê?). Quando olho à volta, acabo por descobrir que estou perto de um centro de teletransporte taquiónico. Por isso, excitada com a minha descoberta, entro rapidamente na unidade, através da introdução de um código secreto – a que tive acesso quando passei a integrar a missão de resistência – e dirijo-me, sem demoras, até ao teleportador. Para isso, vejo-me forçada a atravessar pelo menos uma dezena de corredores, até atingir a plataforma, todos eles absolutamente desertos e silenciosos. Quando estou prestes a atingi-la, há algo que me chama a atenção, no exterior. Ouço um ruído estranho, e a minha mente, treinada, nos últimos dias, para reagir a todos os estímulos, por mais primitivos que sejam, dirige rapidamente a minha atenção para a janela.
O que vejo, faz-me tremer profundamente, e recuar, até isso deixar de ser possível. Porque lá fora há um cenário assustador…

Lisboa, 40500 a.D.

Finsk tinha toda a razão quando disse que o cocktail que iríamos beber era o mais forte de sempre. E que o diga a minha cabeça, que ainda não parou de se queixar desde que acordei. Felizmente, parece que não fiquei inconsciente por muito mais do que alguns minutos, mas, ainda assim, não posso perder tempo: é preciso concretizar o propósito que me trouxe até aqui. Preciso de encontrar tecnologia gravitacional – nem que seja um mero protótipo que ainda não esteja a ser desenvolvido. Só esse tipo de tecnologia – e nas mãos de Finsk – pode ajudar Natasha a voltar a Guinsberg…
O mais estranho é que este lugar não tem nada que ver com os filmes de ficção científica. Quer dizer, pelo menos com aqueles que têm por objectivo mostrar um futuro aterrador, no qual a tecnologia conseguiu destruir o mundo inteiro, e onde tudo é fumo, lixo e destruição. Até porque – garanto – há muito que não estava num local tão verde e tão limpo. Como se aqui nem sequer existisse uma civilização humana (sinto um arrepio, mas depois calo os meus próprios pensamentos).
Decido caminhar um pouco, depois de fazer umas roupas improvisadas com algumas folhas. Afinal, para quê preocupar-me? Devo estar num parque natural, só isso. Num futuro avançado, de certeza que será facílimo conceber algo como o que estou a presenciar, num abrir e fechar de olhos (certo?). Todavia, a verdade é que este parque parece não ter fim. Para onde quer que olhe há apenas um conjunto enorme de árvores, e todas com a mesma forma, tamanho e disposição, de maneira que parece impossível conseguir obter um bom ponto de referência. Felizmente é de dia, e o sol ainda vai demorar a pôr-se, o que me confere uma vantagem preciosa em termos de orientação. Ainda que pareça um pouco mais laranja do que seria de esperar (será que viajei assim tanto no tempo para me conseguir aperceber da diferença de actividade do sol?).
Ainda me sinto um pouco zonzo do cocktail de Finsk, mas, lentamente, apercebo-me de que as minhas capacidades mentais se vão restabelecendo totalmente. Por isso, agora que me começo a enervar seriamente com a quantidade aparentemente infinita de árvores, paro, e tento perceber o que é que continua a não fazer sentido para mim. Coço a cabeça, e, quando me apercebo de algo elementar, quase tenho vontade de bater com a cabeça contra todos estes troncos de árvore. Afinal, viajei no tempo, e não no espaço, pelo que tenho de estar em Lisboa… Mas onde está a cidade? Será possível que o futuro a tenha apagado do mapa?
Será que o cocktail de Finsk é assim tão forte para me ter levado para lá do limiar da extinção humana? É verdade que não encontro qualquer sinal de actividade humana, mas tudo me parece demasiado ordenado… como se tivesse sido concebido por uma inteligência que só pode dever-se à acção humana. Por outro lado, será que Finsk se enganou na fórmula, e fui enviado para um passado distante, em que Lisboa era ainda uma terra virgem?

sábado, 26 de março de 2011

Não é o Mundo que Precisa de Mudança - somos nós!

Por vezes tornamo-nos de tal forma obcecados com a "necessidade de mudar" para "melhorar" que nem sequer nos apercebemos que o verdadeiro problema é a constante tentativa de mudança. "Sejamos sinceros" (para dar um tom mais sério à coisa): um mundo melhor, mais justo, capaz de dar respostas e estimular (e promover) os nossos sonhos e felicidade não é um mundo que muda de mês a mês, de ano a ano. É como achar que alguém pode conseguir bater o record dos 100m quando a meta está sempre num sítio diferente - por vezes com obstáculos, outras vezes com poças de águas; umas vezes com vento, outras vezes sob uma chuva intensa. A sério: quando é que nos vamos aperceber de que não é a "mudança" que vai "mudar" (para "melhor") o mundo em que vivemos? Não há problema nenhum num mundo que muda lenta e muito mais naturalmente - quem tem que ir mudando muito mais somos nós - as nossas atitudes, a nossa motivação, a nossa capacidade de entre-ajuda. Já chega de mudarmos as regras a cada segundo que passa - não são regras fantásticas que fazem um mundo fantástico. Não são leis e "reformas" bestiais que fazem um mundo bestial. O mundo faz-se de cada um de nós. Na forma como agimos. Dia após dia.

Não, o Mundo não precisa de Mudança, deixem-no em paz! (pelo menos por alguns instantes) - quem precisa de ir mudando, e com urgência, somos nós.

sábado, 12 de março de 2011

Visões de Um Outro Mundo: o início

Escolhi uma engraçada caneta amarela que me sorria da prateleira da papelaria Strings. Por momentos rodei-a na minha mão, e não resisti a comprá-la. Quando dei por mim, caminhava já pela rua do Ouro, olhando o céu como uma criança que o vê pela primeira vez.

Ao princípio neguei por completo a possibilidade que se pintava na minha mente, por cada vez que me deparava com a caneta amarela recém-comprada. Achava ridículo um objecto poder ter tamanha influência sobre alguém, ao ponto de me fazer sentir actuado por uma força inexplicável. Contudo, ao fim de duas semanas, cheguei à conclusão de que era inevitável ceder ao aparente capricho da caneta. Ela fora feita para criar.

Por mais idiota que possa parecer, foi assim que iniciei esta coisa (primeiro chamei-lhe conto, agora já nem sei o que é), depois de um qualquer exercício de campos electromagnéticos me ter cansado a mente. Peguei em folhas totalmente virgens, inspirei fundo, e, como um verdadeiro explorador do século XV, mergulhei no desconhecido da escrita. Ultimamente tinha lido bastante. Autores conhecidos. Outros nem por isso. Contudo, tais leituras mostraram-se bastante importantes, não propriamente como fontes de ideias a nível de argumento, ou até de vocabulário, mas sim como formas de descobrir o que sente alguém quando toda a vida lhe sai das mãos e vai fecundar o papel.

Na verdade, foi ao pensar nisso que atribuí o primeiro título à minha prosa, que podem ler em cima. Foi assim que ele nasceu, muito antes de saber tudo o que iria ocorrer daí em diante. E não mais o quis alterar. Talvez por isso estranhem o facto de haver dois títulos. Paciência: já se devem ter apercebido de que não sou nenhum escritor a sério. O que talvez não saibam é que, desde a primeira palavra, tudo começou a mudar – a minha vida, o meu mundo, até eu próprio. Foi como se algo subitamente ganhasse vida e me invadisse sem sequer pedir autorização. A vida que surgia a partir de mim parecia tornar-se independente, a cada frase que elaborava.

Antes de iniciar esta tentativa literária, eu era um brilhante aluno de engenharia física tecnológica, e os meus sonhos expressavam-se, frequentemente, em relações quantitativas. Na verdade, todos os fenómenos que me rodeavam pareciam tão bem explicados, matematicamente, que não conseguia duvidar de Galileu, quando me sussurrava ao ouvido “o grande Livro da Natureza está escrito em linguagem matemática”.

Assim, quando me deixei seduzir pelo papel em branco, não fazia a mínima noção do que era viver uma verdadeira aventura, daquelas que nos fazem colocar tudo em causa e nos transformam totalmente. Todavia, sabia que algo em mim ansiava pela adrenalina do desconhecido. E havia também o facto de as relações matemáticas, embora belas, serem apresentadas pelos professores de uma forma muito pouco artística. Ambicionava mais.

Se soubesse as consequências que tal coragem me traria, talvez tivesse hesitado quando coloquei a minha caneta amarela entre os dedos, cedendo à sua vontade e à minha curiosidade pelo desconhecido. Porém, de nada me arrependo. Muito pelo contrário. E, claro, mesmo que o fizesse, de que me serviria, agora?

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O Mundo.

O mundo fala uma língua que ninguém entende. Nem mesmo o próprio mundo. Sussurros suaves, quase-palavras. Olá. Adeus. Mas quem as escuta demasiado perto perde-lhes o sentido. Como um sonho lúcido que se tenta controlar e acaba. Sim, o Universo inteiro fala e diz coisas que ninguém entende: grita estrelas e murmura galáxias; canta super-novas (e solta risos em planetas). E às vezes, às vezes prende-se num silêncio de escuridão. Num momento. Na eternidade.

sábado, 23 de outubro de 2010

Tic-tac

Hoje podemos olhar o céu em vertigem,
Nas asas de uma fera de metal.
E sorrir para o algodão que atravessamos.

Cidadãos de uma sorte que não reconhecemos
Num mundo que faz tic-tac
Depressa demais.

domingo, 10 de outubro de 2010

A Esquizofrenia que Veste Sempre Tanga: Portugal, a Telenovela da Semana

Hoje em dia são muitos os documentários e séries emitidos directamente dos mais de 67 planetas espalhados pela Galáxia e que nos vão chegando a casa todos os dias. Desde os desenvolvimentos tecnológicos sem precedentes de Guinsberg, aos constantes conflitos do sistema planetário de Orion, a escolha é imensa. Esta semana, porém, decidimos analisar um dos programas que nos chega directamente do terceiro planeta do sistema solar 45-G, a Terra. Mais concretamente de uma das suas pequenas regiões: Portugal, onde o vasto elenco que lá reside protagoniza uma telenovela irónica do melhor que se pode encontrar em toda a Via Láctea. Como referiu recentemente RX-4567, o galardoado comentador-robot de telenovelas alienígenas: “os actores da telenovela Portugal são tão excepcionais que quase acreditamos que se trata, de facto, de uma sociedade em crise, quando, na verdade, vivem no seio de uma abundância do melhor que há”.


Portugal: a sociedade da Tanga quase podia ser baseada no popular romance de Firnsjkirji, “Uma Sociedade Esquizofrénica”. De facto, para Firnsjkirji, recentemente entrevistado pelo “El Galaxia”, a telenovela Portugal relata, tal como o seu livro, “uma sociedade que, embora tenha uma imensidão de recursos necessários para se desenvolver, acredita que se encontra na mais profunda crise, e essa convicção é tão forte que leva à perda de noção da realidade”. É talvez nessa ironia explícita que reside a chave para o sucesso da telenovela. “Eu acho que é uma telenovela absolutamente genial”, conta-nos o seu realizador, Marcus Lei, “a acção desenrola-se num cenário que é invejado por qualquer civilização galáctica: uma costa que cobre quase toda a área e cheia de energia, uma área com uma capacidade imensa para a agricultura e portanto capaz de alimentar toda a população sem depender do exterior, suficientes matérias primas para o desenvolvimento tecnológico e para a construção de todas as infra-estruturas necessárias, uma taxa de exposição solar diária do melhor que há no planeta, uma população saudável suficientemente numerosa e um clima que não requer gastos energéticos insustentáveis”. E, mesmo perante tudo isto, “os habitantes de Portugal estão de tal forma obcecados com o conceito de dinheiro e riqueza - uma espécie de unidade de valor completamente desregulada e sem sentido usada no planeta Terra - que acreditam que, por não terem quantidades industriais dele, estão numa profunda crise”. “Uma sociedade com um parafuso a menos, por isso o riso é garantido”, remata Marcus.

“Eu acho muito giro, porque às vezes parece um documentário da vida selvagem, sobretudo quando é aquela parte dos políticos”, conta-nos GH-45, de 5 anos, “passam a vida a discutir e a reclamar e andam sempre à procura daquela coisa do dinheiro e a pedir emprestado, para depois comprarem coisas de muito má qualidade e que já têm ou tinham. São tótós e por isso é muito giro, dá muita vontade de rir”. Portugal é uma telenovela transmitida no canal 456748 da rede Galaxy, com transmissão em directo 24 horas por dia.

domingo, 26 de setembro de 2010

Instante .

Há um livro que nos desfolha. Páginas feitas de letras que são vida. Páginas com mil dimensões. Com parágrafos do tamanho de mundos.
Há um céu que se estende para além de nós. Uma distância que sentimos infinita. Um mistério. Um sentido?
E há um instante. Há sempre um instante. Eu e tu. A cada sorriso. A cada ponto de luz. Nós. A cada respirar. Uma nova palavra, uma palavra que não serve, um ponto final. Um novo parágrafo, um começo. Um horizonte. Uma viagem.
E eu e tu estamos aqui. Somos um instante. Neste momento que talvez já tenha sido.
E nesta insignificância abraçamos o nada e sonhamos com tudo. Porque o céu é alto, tão alto que nunca o poderemos alcançar, mas nos nossos sonhos - nos nossos sonhos que duram ainda menos do que um instante - tu e eu sabemos que, juntos, um momento é suficiente para durar para sempre .

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O silêncio das Palavras

Sempre que pegava no computador para escrever mil e uma histórias sobre os mundos que viviam no seu mundo, havia vento, havia um ruído e havia uma escuridão que apagavam a luz que, num momento, quase parecia clara. Às vezes quase pensava que a doença estava nas palavras que ele escrevia. Em si. Talvez o seu tempo tivesse passado; ou talvez nunca tivesse sequer chegado. Talvez todas as histórias que se contavam na sua mente não fossem realmente histórias que valessem a pena serem contadas (ou talvez nem estivessem realmente na sua mente). Talvez as personagens que viviam nas histórias que viviam nele não estivessem vivos. Talvez não passassem de espectros, sombras, ilusões, projecções criadas a partir de outros personagens (esses sim, vivos). Ou talvez fosse a imaginação (ou falta dela?). A idade (adulta?) transformara-a. Tornara-a rígida, exigente, metódica e, por isso, ainda que tudo parecesse como antigamente, assim que ele confrontava as ideias com as palavras, tudo se tornava cinzento, feito de sombras; um conjunto de nadas.

Mas depois pegou numa caneta velha amarela e num pedaço de papel com qualquer coisa escrita de um dos lados mas que não interessava a ninguém, e disse what the hell. Disse que se lixe, e colocou a música no máximo. Até o som ser tudo o que existia. E fechou os olhos em palavras e voou nas palavras. E no âmago de um som que tudo dominava voltou a ouvir o respirar das palavras. O silêncio das palavras. E as palavras voltaram, tão ou mais vivas do que nunca. Do que sempre. Às suas mãos.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Sentido

Passamos vidas inteiras à procura dele. Ou pelo menos de uma das suas facetas. Nem que seja apenas um sinal da sua presença. Sentido. E sem ele sentimo-nos perdidos. Sem rumo. Como se o mundo girasse cada vez mais rápido e nos deixasse para trás. Outras vezes, porém, temos quase a certeza de que estamos perto. Muito perto. Como se conseguissemos identificar as suas pegadas e soubessemos imediatamente que foi há muito pouco tempo que elas foram dadas. Como se quase o conseguissemos agarrar, como se o seu perfume, a sua voz, a sua presença estivessem mesmo ali, ao nosso alcance.

Outras vezes - embora cada vez mais raramente - paramos para pensar. Talvez à beira-mar. Ou no meio de um campo alentejano (ok, não tem que ser alentejano, nem tem que ser campo, mas tem que ser como um campo alentejano). Às vezes somos capazes de ouvir o silêncio e de nele escutarmos apenas o que se pode escutar no silêncio: o silêncio, e a vida que em nós corre. E é talvez aí - nesses momentos cada vez mais raros (até porque, diga-se, quem é que "tem tempo [ou quem é que é capaz de parar para viver um pouco, em vez de se queixar a toda a hora e não fazer mais do que sobreviver]"?) - que somos capazes de conceber uma vida bem mais simples. Uma existência em que se vive num bem-estar com o mundo e com os outros. Num mundo em que não é preciso ser-se mais forte, mais atraente, mais rico, mais poderoso, mais desejado, ou mais talentoso. Num mundo em que não é preciso haver um alvo, um objectivo. Num mundo em que, no fim de contas, o sentido não se procura - cria-se.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O sabor amargo das vitórias

Chamo-me Luís, e sempre que chegava em primeiro ficava de rastos. Como se o mundo inteiro me tivesse passado por cima e tudo o que restasse de mim fosse uma fina tira horizontal de carne desfeita. Cada vitória era uma ferida que nunca sarava.

Na verdade, foi ainda em pequeno que aprendi o sabor amargo do sucesso. Por sorte – diziam os meus pais – parecia ter nascido para ser um vencedor. Obrigavam-me a participar em tudo o que eram provas desportivas e – segundo eles – safava-me sempre bem. Tão bem que cheguei a ter uma parede inteira cheia de medalhas minhas, pedaços de metal que os meus pais mostravam com orgulho a todos os vizinhos que nos visitavam. Por outro lado, na escola as coisas corriam igualmente bem, ou até melhor, e choviam bolsas de estudo e prémios de quase todos os cantos.

Contudo, por cada medalha que me colocavam ao pescoço e por cada prémio que vencia, havia um sabor amargo que se tornava cada vez mais difícil de ignorar. Como se cada gota de suor que me corria pelo corpo me esfaqueasse numa violência cada vez mais intensa e essa dor crescesse continuamente em mim. E essa tortura, descobri então, provinha das faces de desilusão dos meus colegas, das suas expressões de ódio para comigo e dos olhares baixos e vencidos que tinham por causa os meus triunfos.

Desta forma, o tempo era para mim o pior inimigo. Porque trazia sempre mais olhares que desesperavam por não terem conseguido o lugar que me fora atribuído, ou a medalha que eu vencera. Por isso, um dia tomei uma decisão. Ergui-me pela manhã e decidi que havia de abandonar tudo. De que me servia o sucesso se não conseguia viver com as desilusões que a minha existência causava? De que serviam as vitórias, se a felicidade que me davam era feita de lágrimas e sofrimento?

Na noite do dia em que decidi mudar a minha vida, disse aos meus pais que nunca mais queria competir com ninguém. Disse-lhes que as vitórias me custavam demasiado e que preferia ser um perdedor para toda a vida. Nessa noite que nunca esquecerei, o meu pai, frustrado com os assuntos do trabalho, chamou-me de vergonha da família e disse-me que se fizesse isso deixaria de ser seu filho, porque estaria a desprezar tudo aquilo que conseguira com a sua ajuda. Eu olhei-o e disse-lhe que a vida se faz numa escolha e que essa é de cada um de nós e saí, sem que o deixasse ver que na minha face se esboçavam pequenas lágrimas de incerteza que só o tempo poderia secar.

Hoje, ainda que muita água tenha corrido pelo rio do tempo, sei que os meus pais continuam a não perceber por que razão me vi forçado a desistir de um caminho tão seguro. Porque eles, como quase toda a gente no mundo, esquecem-se que por cada vencedor há um derrotado, e que sempre que alguém chega mais alto, há um outro que fica pelo caminho. Por isso me custava tanto cortar a meta em primeiro, e por isso o aroma amargo que cada vitória me deixava na consciência. Porque sabia que atrás de mim ficava alguém cheio de sonhos que por minha causa se haviam desfeito na espuma da desilusão.

Agora, ao sabor do sol desta tarde de Verão, sei que finalmente ocupo o meu lugar no cosmos, porque não sou absolutamente ninguém para todas as pessoas que por mim passam. Talvez me chamem vagabundo. Talvez até me desprezem. Mas a verdade é que não há melhor situação do que a de um sem-abrigo para poder devolver a tantas pessoas os sonhos que um dia se perderam delas, ainda que tal tarefa se apresente muitas vezes como algo extraordinariamente difícil.

Agora, tantos anos depois, a vida começa finalmente a fazer sentido. E, pela primeira vez desde há muito, sinto-me verdadeiramente parte deste mundo imperfeito e sou feliz, porque vivo para a vitória de todos aqueles que sonham verdadeiramente com ela e sei que não estou só.

Doce é a medalha a que se renuncia por livre vontade.

As melhores histórias

As melhores histórias são aquelas que nascem sem destino, sem propósito. Esqueçam as histórias planeadas, encomendadas, esquematizadas. Essas podem ser aceitáveis, até boas, mas nunca serão as melhores. E as melhores histórias são também aquelas que não precisam que se diga que são as melhores -- são-no e pronto. Não há que “educar” o gosto, ou “aprender” a apreciar este ou aquele estilo - isso só se aplica às histórias mais-ou-menos, ou a tantos textos que de tão concentrados neles próprios nem sequer contam uma história. E as histórias são importantes. O conteúdo é importante. Porque sem conteúdo - e mesmo que em nome da arte - o texto perde humanidade, perde alma, perde vida; por mais que ganhe em “inovação”, ou discutível estética. Mais do que isso: os textos sem história são como pessoas que, de tão “profundas” e “intelectuais”, acabam por se tornar ou completamente inacessíveis.

Diário de uma Guinsberguiana

Guinsberg, ano 503, mês 4, dia 20

Ainda não compreendi muito bem por que razão decidi começar a escrever. Talvez devesse recorrer à unidade de cuidados mentais do computador central, contando-lhe as estranhas sensações que tenho tido, ou talvez o melhor fosse mesmo dirigir-me ao hospital de normalização, já ali ao lado. Estou certa de que qualquer uma das anteriores opções desembocaria na solução optimizada para o que sinto. Ficaria mais calma, segura de mim – poderia até voltar a olhar o mundo inteiro num sentimento de perfeição, como sempre o fiz. Mas não. Por incrível que pareça, e pela primeira vez na minha vida, acho que estou a agir contra os princípios fundamentais que tanto prezo, respeito e adoro. E talvez seja por isso que sinto uma vontade tão imensa de desabafar, de expor os meus problemas sem que me normalizem de imediato, ou me critiquem cruelmente.

Assim, aqui estou eu, Qu-4579-Al, a planar magneticamente no meu quarto e a operar sobre o meu computador quântico utilizando apenas o pensamento. Penso em ideias e palavras, e a projecção holográfica diante de mim mostra-me conjuntos de símbolos que interpreto como letras. Algo verdadeiramente ridículo. Mas nem por isso cesso de escrever. Porque no fundo de mim há algo que me fala com a voz de quem passou toda uma vida encerrado num calabouço. Há algo que deseja despertar-me. E eu cedo e deixo-me levar por este corrupio de ideias totalmente ilegais – pelo menos até o computador central de Guinsberg enviar o sinal diário para que todos iniciem as suas tarefas produtivas. Até lá são menos de duas mil batidas de coração.

Se a perfeição existe, então a sua concretização chama-se Guinsberg, a maior e mais bela cidade da galáxia Fitacita, o local onde nasci e onde resido. Onde me posso realizar totalmente trabalhando para o bem comum e sabendo que todos os sistemas trabalham o mais afincadamente possível para me manter sempre a 100%. Em Guinsberg, nada foi feito ao acaso. Embora erguida sobre um imenso pântano, há mais de 500 anos, a cidade mantém-se totalmente inalterável e na vanguarda citadina no que diz respeito às 4 galáxias plenamente colonizadas. Aqui não existe microorganismo algum que possa pôr em risco a saúde dos 250 mil milhões de habitantes que nela residem. Não só porque todos os Guinsberguianos têm direito a mais de 1 milhão de nanorobôs na sua circulação sanguínea, mas também por esses estarem em permanente contacto com a maior base de dados alguma vez concebida: o computador central de Guinsberg.

Existem tantas razões para se viver aqui que todos os dias os computadores fronteiriços da Cidade se enchem de milhões de candidaturas. Vêm maioritariamente de sistemas solares da galáxia, mas muitos – extra-galácticos – chegam a mostrar-se dispostos e percorrer todo o meio intergaláctico para se mudarem para a Cidade. Todavia, o perfeito funcionamento da cidade condiciona totalmente as novas admissões, e, nos meus 22 anos de existência, foram menos de mil aqueles que conseguiram a tão desejada cidadania Guinsberguiana.

Na verdade, o principal entrave à entrada de estrangeiros é o próprio sistema político vigente na cidade, que, pelo que sei, é único em todo o Universo. O seu ideólogo, Gh-58096-00, chamou-lhe iqualitismo-produtivismo e, desde então, não há ninguém que duvide de que ele é a concretização de uma utopia com que a minha espécie sempre sonhou. Sobretudo porque em Guinsberg não há qualquer necessidade de eleições – muito menos de políticos. Assim, a gestão de toda a cidade está a cargo do computador central, que a todo o instante inquere as milhares de milhões de mentes em Guinsberg e toma as decisões tendo em vista todas as opiniões. Por isso, só Guinsberg vive num clima verdadeiramente democrático, onde os cidadãos não precisam de fantoches intermediários para defender as suas posições, ou opiniões.

De súbito, sinto o sinal telepático do computador central a percorrer-me a mente e a fazer-me sentir uma enorme vontade de sair deste meu quarto. Por isso, desligo todo o equipamento com que escrevo, da forma mais rotineira possível, com vista a mostrar que não estive a fazer nada de ilegal e calo todos os meus pensamentos até que regresse do trabalho.

Visões de Um Outro Mundo: Cap1.2

“O fim depende sempre do início”, escreveu um pequeno extraterrestre no meu sonho, sorrindo e fitando-me, como se eu fosse o único alvo da sua afirmação em português correcto. Depois interroguei-me “mas como pode um E.T. escrever tão bem português?”, e o meu cérebro, forçado a pensar, despertou-me rapidamente. Desta forma, quando acordei, eram apenas as três dimensões da sala que me rodeavam.

Talvez seja estúpido iniciar assim o meu primeiro esboço de arte literária, mas de um amador como eu não se pode esperar muito mais. E também é verdade que a afirmação do E.T., escrita a branco sobre o negro do xisto, se agarrou tão afincadamente à minha memória que, uma semana depois do sonho, ainda a recordo como se estivesse diante dela. Por isso não consegui deixar de a referir, sabendo, contudo, que se começasse a escrever daqui a um mês, o resultado seria totalmente diferente. Paciência: fica para um outro eu.

Todavia, o facto de citar um extraterrestre atrevido não me faz escapar à constatação de que não faço a mínima ideia do que tudo isto vai tratar.

Há pouco tempo lembro-me de caminhar pela Rua Augusta e de ver na montra de uma rua paralela o livro “O Início de um Livro é Precioso”. Bem, não sei se era mesmo esse o título, mas pouco importa. Também não me recordo do autor ou autora (sou péssimo para nomes). Lembro-me, isso sim, de entrar nessa livraria, cheio de esperança de que nessas páginas estivesse a resposta à minha inquietação (quem sabe, poderia dizer-me como é que se começa um conto). Contudo, bastou-me ler algumas linhas para o meu interesse cair imediatamente para zero e, daí a um tempo de Planck (não sei se nos contos se pode esclarecer alguns leitores, mas, de qualquer forma, não hesito em explicar que o tempo de Planck, para quem não sabe, é um tempo mesmo muito, muito, muito pequeno), fiquei completamente desmotivado para o seu conteúdo.

Hoje, inicio este conjunto de palavras por escrever, e a preocupação pelo princípio parece desvanecer-se, por cada letra que pinto no papel. Sinto-me solto, até. Como se durante toda a minha vida tivesse escrito abundantemente. Por isso decido deixar-me levar pela vontade do sistema mão-caneta-mente, libertando-me de todas as preocupações – relegando-as para os críticos literários (que, como é óbvio, nunca lerão estas palavras, a não ser que gostem de perder tempo, ou então para mostrarem a autores em ascensão o tipo de texto que não devem escrever).

Parece-me a mim que, na maior parte dos contos, a personagem principal é apresentada logo nas primeiras linhas. O problema é que o meu conto ainda não tem qualquer personagem… É só palha. Mas também tem muitas letras, uma caneta amarela que parece mágica, e um físico que nem sequer é físico a armar-se em escritor. Sim, a combinação não é brilhante, mas é o que se pode arranjar.

Bem, acho que está na hora de inventar uma pessoa qualquer. Caso contrário, até eu perderei o interesse por estas páginas em branco, e nem mesmo tu – caneta amarela – conseguirás motivar-me.

Então aqui vai: olá, eu sou a Manuela, tenho 34 anos, e sou a nova personagem deste conto. Ainda não sei onde moro, porque o parvo do escritor não me deu nenhuma casa, mas no futuro gostava de dar paz ao mundo inteiro, mesmo sabendo que o mundo inteiro é só um monte de palavras ocas sem sentido. Para quem quiser votar em mim, é só ligar para o 444555322. Não posso dizer já o custo da chamada, porque o chato que me escreve ainda não sabe e não ficava bem estar a…

Agora a sério: apresento-vos Johanne Ribeiro, a verdadeira heroína desta história (ainda) sem argumento. Mas não pensem que é uma personagem qualquer. Johanne é bem diferente de todas as outras. Melhor, muito melhor. E alerto-vos já para o facto de ser uma verdadeira deusa do século XXI, daquelas que subjuga Afrodite com um simples sorriso. Ah, e morena. Sim, porque Johanne, acima de tudo, é extremamente inteligente. E mais: é estudante de doutoramento no Caltech. Para trás ficou um percurso brilhante em todos os graus académicos.

Para os interessados, ela encontra-se, de momento, livre. Teve uma relação de dois anos com um colega de curso, mas facilmente se fartou das suas paranóias, quando, nos três meses finais, passaram a viver juntos. Agora baixinho, para que não nos oiça: Johanne tem um carácter um pouco, digamos… difícil. Embora extremamente amável e amiga de todos, sofre de um certo… “síndrome de independência”. Quer isto dizer que necessita do seu próprio espaço, e precisa, sem dúvida, de se sentir rodeada por coisas que lhe digam algo. Escusado será dizer que os garanhões californianos já desistiram dela há muito. Não por ter deixado de ser apetecível, mas por ela ser, no dizer de Mr. Camarinha, “um caso particular das mulheres difíceis: uma impossível”. Claro que, no início, esse facto era um estímulo adicional à conquista de Johanne, por parte de todo o tipo de engatatões, com idades compreendidas entre os 16 e os 56. Contudo, as sucessivas derrotas fizeram a grande comunidade Camarinhae concluir, em assembleia-geral extraordinária, que Johanne ou dava para o outro lado, ou então tinha sexo matemático. Talvez por isso todos afirmem, agora, que ela não é tão espectacular quanto os seus olhos vêem – mas a verdade é que à noite todos sonham com ela.

É realmente estranho criar uma pessoa assim, de um instante para o outro. Todavia, é ainda mais impressionante a sensação que essa vida provoca em mim. Como se caminhasse para a independência. Quase como se, daqui a instantes, eu não fosse mais do que um observador da vida de Johanne Ribeiro.

Ah, mas falta ainda esclarecer esse maravilhoso apelido luso, herdado de seu pai, José Ribeiro, um português que emigrou para os Estados Unidos aos 18 anos em busca de uma fortuna “desmesuradamente grande”, como um dia referiu. Todavia, as suas expectativas saíram furadas, e José não chegou sequer à pequenina unha do pé de Bill Gates. Mas nem por isso deixa de se considerar o homem mais rico do mundo, e isto desde que Johanne nasceu, no dia 4 de Fevereiro de 1982.

E claro que a forte ligação entre José e Johanne implica muitas conversas na língua lusitana. Por isso, o português é uma das languages que a nossa heroína carrega no seu currículo, invejado por muitos jovens norte-americanos. E a verdade é que Johanne fala-o soberbamente – muito melhor do que alguns paspalhos que às vezes vão à televisão armar-se em espertos.

Por outro lado, o facto de falar tão bem a língua lusitana facilita-me bastante a vida. Isto porque, nos últimos pormenores, foi como se ela me tivesse ditado as frases e eu me limitasse a escrever tudo aquilo que ela queria.

Ouço o telemóvel e salto de susto, como se despertasse de um sonho abruptamente. Mas, no fim de contas, não é nada de especial. É apenas o meu professor de física de partículas a pedir-me para lhe entregar aquele trabalho que terminei há uma semana e que me tenho esquecido de lhe levar, consecutivamente. Claro que esse constante esquecimento seria motivo de teses de doutoramento para inúmeros psicólogos e psiquiatras, sobretudo se lhes falasse da minha estranha relação com a amarela. De qualquer maneira, a explicação para todas as peculiares sensações que agora me afectam torna-se auto-evidente quando olho para o relógio e leio “1:01”. E, de súbito, lembro-me que amanhã tenho aula de mecânica quântica pelas 9 da manhã. O mais estranho é que nem isso me dilui a excitação para a escrita. O facto de ver Johanne à minha frente, a sorrir-me, parece ser mais forte do que o mecanismo orgânico que descarrega hormonas a dizerem “vai dormir, já!”. Mas o melhor talvez seja mesmo ir para a cama. Amanhã estarei mais sóbrio e então poderei continuar este monte de lixo literário.

Depois, já na cama, pareço ouvir Johanne a dizer “boa noite”, a dizer “sleep well, sweet dreams”. Acho que preciso mesmo de descansar, sobretudo porque logo pela manhã a teoria quântica vai puxar ao máximo por todos os meus neurónios.

Até amanhã, Johanne.