quinta-feira, 27 de maio de 2004

Respostas

Às vezes a explicação para o mais fantástico dos eventos reside num fenómeno exterior à realidade, tal como um som exterior interfere num sonho.
A questão é: como é que fazemos para acordar deste mundo?

A árvore da poesia

Gastaram-se as palavras para te definir
(a árvore da poesia secou)
talvez até restem alguns frutos
que heroicamente tenham sobrevivido
à queda de ramos que já não existem

porém já nem importam as sementes
(a árvore da poesia secou)
mesmo que uma outra germinasse
de restos de palavras
já não seria poesia.

Seria talvez a natureza
ou o céu - até o luar -
mas não, nunca a poesia,
essa morreu
partiu
secou
jamais voltará.

Gastaram-se as palavras para te definir
e por isso o silêncio
por isso o céu gelado e a noite eterna.

Gastaram-se as palavras para te descrever
e ainda assim
continuas a ser
um fogo de estrelas e de mar.

quarta-feira, 19 de maio de 2004

vida

a vida esgota-se a cada instante
rodopia dançando ao sabor
da ilusão do tempo
e escorre por entre os dedos
sempre que a tentamos agarrar

Eucariontes

Um dia houve
longínquo tempo esse
em que dois pedaços do mesmo ser
decidiram caminhos diferentes seguir.
Enfim, partir.

E houve um que seguiu
a procura individual do ser
mesmo sabendo que tal ambição
o condenaria quase certamente
à eterna solidão.

O outro, pelo contrário
escolheu a vida em conjunto
num só.
Disse milhões de vidas em mim
e nesse instante não soube
que tais palavras significariam
a perda de identidade.

E assim, de duas vontades
se fizeram dois ramos da mesma árvore
proca e euca, chamam-lhes
às duas faces da mesma vida.