domingo, 18 de outubro de 2009

Retorno e Paz

Naquela manhã de Outono em que Joaquim voltou ao mundo que fora o seu Mundo durante quase 20 anos, era como se nada tivesse mudado. Havia ainda o sol a brilhar, o céu azul, o ar limpo e verde a soprar por entre os montes e planícies que se estendiam até ao infinito abraçado pelo seu olhar. Memórias e momentos passados; estava tudo ali, quase parado no tempo, na paz e tranquilidade da brisa que lhe tocava o rosto e lhe afagava os cabelos. Mas Joaquim não era o mesmo rapaz que por ali havia crescido, corrido, caído, sonhado e partido. A vida levara-o a correr o mundo, a chegar mais longe, a descobrir locais com os quais nunca havia sonhado. Os seus sonhos levaram-no para tão longe que, durante anos, foi como se tudo aquilo que Joaquim via, ouvia, sentia e cheirava de novo não fossem mais do que uma memória distante, ou um sonho de uma vida que nunca viveu. E tudo isso rebentava agora em ondas irregulares num oceano agitado de memórias, ora felizes ora de lágrimas. Até porque se os caminhos baldios que atravessavam a serra o lembravam dos risos e brincadeiras que o haviam entretido - a ele e aos seus primeiros amigos -, a porta da casa onde crescera sabia-lhe ainda à dor que havia carregado desde o dia em que vira os seus pais pela última vez, acenando-lhes um adeus que lhe soube como um até já, mas que acabou por ser um adeus para sempre. Isto porque quatro meses depois dessa despedida, a estrada que os havia conduzido até à cidade que visitavam pelo menos uma vez por semana durante décadas levou-os para um novo destino do qual nunca mais voltaram. Joaquim ficou de tal forma perturbado com a notícia que não mais voltara à casa que, desde esse dia, passara a ser sua. Afinal, como podia ele aceitar a morte dos seus pais que tinham ainda tanto para viver? Como podia ele voltar e não ouvir os passos da mãe pela casa, sempre atarefada; tornar a pisar os caminhos que percorrera com os seus pais e não os ouvir a dizer para caminhar mais devagar; ou cheirar as flores e as plantas e não ouvir as explicações e lições do seu pai:? Não, Joaquim não tinha como enfrentar essa realidade que se abatera sobre a sua vida: o peso era demasiado, a dor profunda demais, cortante.
A verdade é que foram precisos 11 anos para Joaquim voltar ao mundo que o fez crescer e sorrir, ao Universo a que, no mais genuíno do seu ser, ele chamava casa. E, ainda assim, Joaquim sabia que a sua casa já não existia - ou pelo menos a casa do rapaz que os campos viram partir havia 11 anos - essa ruíra no dia em que se tornou órfão. E, ainda assim, havia algo de seu ali. Algo que o fazia sentir o calor do sol de Outubro como um toque do destino, substância invisível que lhe sussurrar as palavras doces que uma mãe canta ao seu filho para o adormecer seguro e confiante. O mundo havia-lhe mostrado visões, sensações, locais e pessoas absolutamente fantásticos e inesquecíveis - e, ainda assim, nada nem ninguém lhe podia tocar tanto quanto este local. Talvez porque cada detalhe, ainda que envelhecido, deteriorado ou desenvolvido, tinha o toque do seu pai e da sua mãe, e dos seus pais antes deles; mais do que isso, cada pedaço do que agora o rodeara cheirava aos seus sonhos de miúdo, a tudo aquilo que o fizera sorrir só de pensar. Cada árvore de fruto, cada flor, cada caminho por entre as ervas que agora cresciam como nunca - em cada detalhe havia uma memória, uma palavra, um gesto. Sim, o mundo lá fora deu a Joaquim as folhas de uma árvore adulta, e a oportunidade de criar um tronco forte o suficiente para finalmente conseguir enfrentar tudo aquilo que a vida lhe tirou; mas era ali, naquele pedaço de terra em que pouco mais se ouvia para além de um silêncio profundo, que Joaquim tinha as suas raízes, o seu solo, a sua água.