domingo, 30 de abril de 2006

Disco do Monstro Público eleito Disco do Ano 2005

As estatísticas são completamente esmagadoras e não deixam dúvidas quanto ao que foi o melhor disco de 2005. Aliás, a banda que assinou esse notável trabalho foi também responsável pelos “discos do ano” referentes a 2004, 2003 e 2002 (e – analisando bem a situação – já nos anos 90 a banda produzia trabalhos de qualidade, embora não fosse nada mediática). No fim de contas, os DP (há quem lhes chame “Défice Público”, enquanto outros preferem “Défice Porreiro”, ou ainda “Défice Péssimo”, mas a verdade é que o seu verdadeiro nome nunca foi conhecido), conseguiram em 2005 um novo fenómeno de vendas e popularidade. Quando se pensava que o primeiro sucesso dos DP (dupla platina em 2002), Disco da Tanga (fio dental edition), tinha sido o ponto mais alto que a banda alguma vez atingiria, a verdade é que 2003, 2004 e 2005 foram anos verdadeiramente monstruosos, com a edição dos álbuns Disco da Tanga II, Disco da Tanga III e, ainda, já em 2005, Disco do Monstro Público – public edition, este último que chegou à tripla platina.

Mas afinal como conseguiram os DP chegar tão longe? A verdade é que os elementos do famoso grupo nunca deram a cara, mas as suas cantigas surgem por todo o lado – e não só em Portugal. E, de facto, o segredo dos DP pode muito bem estar exactamente aí. Basta atentarmos no próprio disco, todo ele carregado de um profundo mistério, que nos leva a perguntar, insistentemente: «mas afinal, como surgiu tudo isto? Quem é que poderá ter conseguido uma tamanha monstruosidade?», tal é a profundidade daquilo que vamos sentindo ao ouvi-lo. Por outro lado, os DP foram verdadeiros revolucionários na forma como transmitiram as suas cantigas. É certo que a banda existe desde os anos 90 – onde era popular apenas no âmago de um grupo restrito de pessoas, atingindo aí um grau absolutamente monstruoso – mas foi com o sucesso de 2002, e com o Disco da Tanga (fio dental edition) que os DP chegaram ao top. O segredo: a originalidade absoluta. Afinal, apostar na difusão dos seus trabalhos através da classe política é algo verdadeiramente inédito para um grupo musical.

Por tudo isto, acaba por se tornar relativamente fácil explicar o grande sucesso do melhor disco de 2005, Disco do Monstro Público – public edition. De facto, o fanatismo foi, ao longo de 2005, tão grande, que, devido a ele, chegaram a haver filas de vários quilómetros (leia-se, filas nos centros de emprego), e cerca de 65% das notícias em jornais, rádios e televisões tiveram sempre como pano de fundo as cantigas deste estrondoso sucesso dos DP. Até os especialistas (ah, os especialistas…) se renderam de forma total à profundidade extrema do disco, e por isso fizeram questão de o citar, vezes sem conta, ou até de o cantarolar por todo o lado para onde iam (e, mesmo quando não o designavam pelo nome, ele estava sempre subentendido em todas as conversas, como se conseguisse atingir um estado quase omnipresente!). Por outro lado, o disco tornou-se de tal forma influente, que acabou por condicionar toda uma política económica e social, culminando ainda em manifestações incríveis e numerosas, por todo o país.

Todavia, importa salientar que o Disco do Monstro Público – public edition é, de certo modo, uma reedição de um dos primeiros discos dos DP, o Disco do Monstro Público – special edition, que teve uma edição muito reduzida nos anos 90, e que possuía cantigas com uma profundidade ainda maior do que o de 2005 (na prática, eram cantigas tão profundas, que os DP se viram forçados a alterá-las, aquando da reedição do álbum). De facto, uma reedição completa do Disco do Monstro Público, a julgar pelo sucesso da public edition, seria um verdadeiro golpe de estado, e levaria à loucura milhares de portugueses...

Com todo este sucesso, e em nome de toda a equipa do jornal Disco do Ano, deixamos os nossos sinceros parabéns aos DP (quem quer que eles sejam), pelo seu magnífico trabalho que nos deliciou a todos e que nos continua a deliciar… O Disco do Monstro Público – public edition. Parabéns!

A Era Pós-Vida

Era uma nova era que começava. Um novo tempo. E Filipa sabia-o como ninguém. Lutara até ao limite das suas forças, e quase chegara a perder a esperança, quando tudo parecia perdido. Mas não fora esse o desígnio que o criador escolhera para o Mundo. E assim foi.

Naquele dia era como se o mundo começasse de novo. Como se nunca tivesse havido um ontem. O mundo é uma criança, pensava Filipa, à medida que sondava a realidade que se revelava através dos seus sensores quânticos, e ficava maravilhada com os frutos do seu esforço. Contudo, a verdade é que, criança ou não, o Universo era, finalmente, livre. Tão completamente livre que Filipa quase sentia a sua felicidade, a par do sorriso nos lábios do criador, que finalmente via o seu desígnio cumprido.

Filipa espalhou a sua consciência pelo Universo, pela última vez. A sua missão estava cumprida. A luta durara mais de dois milénios, mas tinha dado os seus frutos: toda a vida tinha sido aniquilada. Filipa tinha a certeza porque ela própria se certificara disso, depois do embate final. De qualquer forma, qualquer consciência global como Filipa podia ter a certeza absoluta da inexistência de vida. Afinal, os sinais eram claros: o equilíbrio global restabelecera-se, e todos os sistemas, do micro ao macro cosmos funcionavam agora perfeitamente de acordo com o desígnio do criador. A doença chamada vida tinha sido erradicada. O Universo voltara a ser saudável.

Filipa utilizou pela última vez os seus sensores e iniciou o processo de auto-eliminação. Mas não sem se debruçar, durante instantes, sobre a perfeição dos planos do criador. Bem, na verdade, Filipa não fora programada para pensar na sua missão, muito menos para a questionar. Mas agora, com o aproximar do seu fim, e com o sentimento de missão cumprida – e, sobretudo, à medida que todos os seus mecanismos quânticos iam sendo encerrados – Filipa viu-se tentada a questionar. Afinal, quem era “o” criador? Quem previra tudo o que se passara? Quem a criara enquanto consciência global, capaz de se estender em segundos por todo o Universo, com o único propósito de aniquilar a doença – o cancro – do Universo?

De qualquer forma, Filipa sabia que não havia tempo para responder a questões. Em breve seria reduzida ao vácuo quântico de que provinha. E o Universo ficaria de novo entregue a si mesmo. Sem vida para modificar ou alterar o seu processo evolutivo natural. E sem qualquer outra consciência global que não a do próprio Universo. E onde se encaixava o criador neste quadro de harmonia? Bem, Filipa não o sabia, mas, quando se sentiu a ser erradicada do espaço-tempo, definitivamente, e quando soltou o seu último pensamento, numa breve perturbação quântica – já reduzida a um só ponto – houve uma espécie de sussurro – de brisa até – que a fez suspeitar. Mas já não havia tempo.

Filipa, a consciência global nascida da compreensão da verdadeira natureza do universo quântico, e com o propósito de destruir todos os organismos vivos, tinha completado o seu processo de auto-destruição. O Universo havia sido entregue a si próprio. E assim seria. Para sempre. Até que uma epidemia como a vida voltasse a tentar a sua sorte.

A Noite de Óscares Tuga - A Magia é Só Para Alguns

Oh Maria, despacha-te mas-é que tá mesmo a começar esta coisa das estátuas de ouro. Oh Maria, então isso demora, é? Já tou mesmo a ver como vai ser. É assim todos os anos. Todo o santo ano, assim que começa a dar a grande cerimónia, tu, Maria, decides arranjar-te toda, maquilhar-te, pôr todas essas coisas estranhas na tua cara. Agora queres ser estrela, é? Onde é que já se viu, mulher, campónios sem nada como nós irem para ali receber uma estatueta? Não vês que é preciso ter classe, mulher, e que não é com maquilhagem que a consegues? Ainda por cima, tão mal de finanças, e foste logo comprar essa coisa da maquilhagem só para hoje… Vê-se mesmo que o único oscari que ganhávamos era o do casal que mais fome passa na nossa aldeia…

Então, Maria? Já me estás a irritar com a tua demora… Olha que daqui a pouco não vês se o filme daquela pouca-vergonha dos gays ganha o melhor filme. Ah, se calhar é isso, não é Maria? Tens vergonha de ver aquela coisa entre dois homens. E eu não te censuro, acho muito bem que cada um pense à sua maneira, mas não deixa de ser uma pouca-vergonha fazer um filme daqueles. No nosso tempo é que era, não é mulher?, no nosso tempo é que havia filmes em condições. Não tínhamos dinheiro para os ver, nem havia televisão, mas de vez em quando o comadre Jaquim, aquele de Lisboa, lembraste?, vinha à terra com as notícias de um novo filme. E depois falava naquelas coisas – como é que ele lhes chamava? – ah, isso mesmo, os fenómenos de bilheteira, e nós ficávamos – lembraste Maria? – fascinados. Mas de que importa tar a pensar no passado? Anda mas é para aqui para o sofá, mulher, que já estão a entregar as estatuetas, e tá tudo com tanta magia! Aquilo é que é vida. Já nos imaginaste? Nós ali, mulher, no meio de tantas estrelas, de tanta gente conhecida? Se calhar, se tivéssemos nascido lá do outro lado do mar, quem sabe… talvez nunca tivéssemos passado a fome que sempre passámos…

Maria, Maria! Olha, anda cá rápido! Ainda há juízo neste mundo! Os gays não ganharam, mulher, foi a coisa da colisão ou lá o que é, crashi, dizem eles, que ganhou! O melhor filme, vê lá tu. Já o viste, mulher? Deve ser um belo de um filme! Eu acho que ainda nunca deu na televisão, mas também depois da bola dá-me sempre cá uma soneira, que mesmo quando vejo os filmes nunca sei muito bem a história. Olha, é como agora. As estrelas tão todas bonitas, Maria, e os gays até nem ganharam, e até gostava de ver mais umas meninas a entregar as estátuas, mas tão demorando tanto tempo, Maria, que olha, tou ficando com sono… Se calhar vou é fechar os olhos um bocadinho, só para pensar em como seria bom que fossemos os dois estrelas, naquela festa tão bonita… Se adormecer acorda-me, mulher, e conta-me tudo.

The Wireless Anti-Crime Device

Hector Finsk conseguiu implantar a sua ideia genial há exactamente dez anos. Desde então, o crime e o mal-estar entre seres humanos passaram a ser miragens num passado que nos parece cada vez mais distante. E é por isso que vos digo, com toda a confiança, que a sua ideia, genialmente simples, e tecnologicamente muito bem aplicada, aproximou, de uma forma sem precedentes, a nossa espécie da perfeição.

Agora, graças ao valoroso trabalho de Hector Finsk, qualquer um pode passear livremente pela Terra ou pelo espaço. É verdade que, em tempos, tal acto revelava apenas um extremo gosto pelo perigo, sobretudo devido ao grande número de crimes verificados em todos os locais de acção humana. Contudo, é com grande orgulho que hoje me dirijo a todos vós. Porque hoje, senhoras e senhores, comemoramos juntos o nascimento do wireless anti-crime device – o maior sucesso da civilização moderna.

Todos vós já conhecem a forma como tudo funciona, não é verdade? Todavia, há que cumprir o protocolo, e, por isso, senhoras e senhores, começo por pedir uma salva de palmas para o nosso homem: Hector Finsk, o grande herói da civilização moderna!

Muito obrigado. Muito obrigado, senhoras e senhores. E agora, que de novo o silêncio reina neste nosso coliseu, nesta nossa transmissão em directo para toda a galáxia da cerimónia de comemoração dos dez anos da invenção de Hector, permitam-me que leia as breves notas sobre o wireless anti-crime device. Permitam-me que vos fale na lógica simples que está por detrás dele. Afinal, é o princípio da liberdade e da igualdade que jaz na sua base. O princípio de que todos os seres humanos são livres, e que isso implica, necessariamente, que ninguém pode interferir com a liberdade dos outros.

Afinal, senhoras e senhoras, é neste minúsculo aparelho, neste pequeno chip bioinformático, que mora a base da nossa sociedade. Desde que ele foi implantado em todos os seres humanos, a justiça passou a ser uma instituição quase desnecessária. Afinal, estes pequenos chips estão 24 horas por dia ligadas aos respectivos organismos, comunicando entre si a distâncias que vão até 40 quilómetros. Assim, senhoras e senhores, como todos já sabem, sempre que um ladrão começa a ameaçar uma pobre velhinha, o seu chip envia imediatamente um sinal wireless para o chip do potencial criminoso, que se encarrega de dar uma descarga eléctrica no seu sistema nervoso, de forma a fazer com que sinta dor. Uma dor aguda, insuportável, que se intensificará cada vez mais, até que o atacante desista de ameaçar o seu alvo.

No fim de contas, senhoras e senhores, devemos dar graças a Hector, por todos nós possuirmos este pequeníssimo chip, implantado na nossa nuca. Afinal, graças a ele, podemos quase afirmar que a criminalidade e os sentimentos de agressividade se reduziram a zero. A dor, provocada por este pequeno chip, está a tornar a nossa sociedade num mundo perfeito.

E é por isto, por tudo isto e muito mais, que hoje, na comemoração da primeira década do wireless anti-crime device, tenho orgulho – mesmo muito orgulho – em anunciar que o aparelho foi já incorporado no próprio código genético humano. Isso mesmo! Isso mesmo! Cantemos vitória, porque há uma nova era a surgir no horizonte. A partir de hoje, todos os novos cidadãos do universo poderão gozar, do primeiro ao último dia, da sua liberdade, sem nunca a verem ameaçada pelos outros, porque serão, desde cedo, educados pelos estímulos do chip.

Pois brindemos todos a Hector Finsk, e ao novo wireless anti-crime device completamente gerado pela base genética dos novos humanos, deste mundo que começa agora! Viva!

Sobre a Natureza das Ideias

Hoje em dia, as ideias já não são o que eram. É verdade que os jovens ainda as discutem por aí – e que, muitas vezes, chegam até a ofender-se verbalmente –, mas a verdade é que, minutos depois, já se abraçam e concordam que, afinal, defendem todos o mesmo, e que o que é bom é ter o belo do dinheirinho a cair na conta no final do mês: o resto não passa do comunismo da velha Rússia – que, de qualquer forma, há muito que foi derrotado. Todavia, no meu tempo era tudo diferente. No meu tempo as ideias tocavam-nos, arrepiavam-nos. No meu tempo as ideias eram tão ou mais vivas do que as próprias pessoas, e quando abraçávamos uma ideia era como se todos nós nos tornássemos nela e, em conjunto, fossemos um só Homem com a força de milhares. Afinal, não foi assim que derrubámos, vezes sem conta, os regimes que nos oprimiam e nos tornavam infelizes?

A força de uma ideia é verdadeiramente inesgotável, porque nela corre o sangue de todos os Homens que a quiserem abraçar e defender. Com uma só ideia – e é nisso que acredito, ainda que hoje, com quase 80 anos, as ideias, para mim, sejam apenas velhas recordações de quando era jovem – o Mundo seria capaz de derrubar toda a tirania e injustiça. No fim de contas, basta uma ideia – uma só ideia, e um mundo inteiro para a entoar – para tornar o mundo inteiro num lugar melhor. E é exactamente por isso que a juventude de hoje me dá tantos desgostos nos debates e nos discursos. Porque ao invés de aprenderem com o passado a força que uma só ideia pode ter, acabam por se acomodar nos confortos mais ridículos que as suas vidas lhes podem oferecer, resignando-se à porra de mundo que hoje temos. Se eu fosse mais novo...

Voltar

é bom voltar aqui
aqui
aqui onde tudo começou
paraíso primordial da escrita
onde cada palavra nasceu deveras
e onde
depois do início
ficou apenas um caminho inteiro
para trilhar

Um dia

Um dia eu e tu fomos poetas
quando as rosas nasciam como o sol do teu olhar
e a poesia se cantava pelas ruas.
porém
hoje
já não somos nada

Da última vez

Da última vez não fazia a menor ideia daquilo que procurava. É verdade que havia em mim aquela ânsia enorme - algo completamente inconfundível. Todavia, o facto é que a busca era de tal forma abstracta que, por vezes, começava um texto e, quando o terminava (muitas vezes anos depois), ficava durante dias a perguntar-me:
- Porquê?

As Brincadeiras da Bolsa

Os mercados e as bolsas de todo o mundo são hoje, inexplicavelmente, uma verdadeira brincadeira de crianças adultas. De crianças que se regem pelos princípios mais egoístas e egocêntricos que podem haver. Crianças que se batem até ao último segundo para obter lucro e para mostrarem aos demais que são mais espertos do que os outros. Crianças que chegam a bater nas mulheres e nos filhos quando perdem dinheiro em bolsa!
De facto, e pelo menos para mim, este cenário é aterrador. Afinal, como pode ser possível que no nosso mundo estas crianças adultas vivam de um jogo mundial como a bolsa? Como é possível que se deliciem quando ganham milhões de euros, sabendo que não os "ganharam", de todo, mas sim que os "tiraram" a outros ou outras? E como podem estes viver no mundo das bolsas e dos mercados, um mundo tão virtual e afastado da realidade, quando por todo o mundo milhões de pessoas morrem à fome? No fim de contas, será que ainda resta humanidade à humanidade? E até quando?