sábado, 23 de janeiro de 2010

Passado - há 7 anos atrás, no DN Jovem





Quando era criança o mundo era tão diferente.
Quando era pequeno o mundo era grande
e eu falava com ele.
As estrelas eram as minhas melhores amigas
e as árvores as minhas confidentes.

Quando era pequeno havia histórias de encantar
que me faziam sorrir
antes de adormecer
e que me faziam sonhar com princesas e reinos distantes.

Mas tudo isso foi há tanto tempo.
Cresci, e o mundo ficou mais pequeno.
E a cada centímetro que crescia parecia que morria
uma princesa e parecia que desaparecia um reino
e parecia que havia menos uma história de encantar
e parecia que já não havia estrelas e já não havia árvores.

Só assim se explica este mundo minúsculo
no qual vivo eu e tu e todos
em que lá fora não há estrelas
e em que dentro de mim
todas as histórias de encantar
estão como os sorrisos

- mortos.

David Sobral, DN Jovem, 2003

A Árvore da Poesia

Gastaram-se as palavras para te definir
(a árvore da poesia secou)
talvez até restem alguns frutos
que heroicamente tenham sobrevivido
à queda de ramos que já não existem

porém já nem importam as sementes
(a árvore da poesia secou)
mesmo que uma outra germinasse
de restos de palavras
já não seria poesia.

Seria talvez a natureza
ou o céu - até o luar -
mas não, nunca a poesia,
essa morreu
partiu
secou
jamais voltará.

Gastaram-se as palavras para te definir
e por isso o silêncio
por isso o céu gelado e a noite eterna.

Gastaram-se as palavras para te descrever
e ainda assim
continuas a ser

um fogo de estrelas e de mar.

Poemas

foste sol e voaste pelo mundo
companheira da brisa e do luar
dissolveste-te no aroma de despertar pela manhã
e no oceano azul ondulaste as águas
com o teu corpo de suspiros contidos.
e deste a volta ao mundo inteiro
num sonho que era teu e das estrelas
e no final
cansada
para mais nada tiveste forças
senão para perguntar
- quem sou eu por detrás das palavras com que me escrevem?

David Sobral, 27/05/2005

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O futuro chegou ontem


Às vezes as palavras perdem o seu merecido lugar na nossa vida. As palavras, e as pausas, e os momentos, e tantas outras coisas. Tantas outras coisas para as quais declaramos abertamente que não temos tempo, ainda que, no mais profundo do nosso ser, essas sejam exactamente as coisas que mais nos fazem sentir realizados, felizes. Há um tic-tac lá fora que nos invade a mente, que nos hipnotiza totalmente, que nos incita a fazer parte da nascente, do rio, da foz, do mar. E não importa por que paisagens passámos, pois o tempo urge que independentemente dos caminhos e da foz - ou até do destino com que um dia sonhámos - no final, todos nós acabamos num mesmo oceano, perdidos numa imensidão que não só não compreendemos, mas que sobretudo nos faz sentir profundamente sós. A mais terrível de todas as solidões que alguma vez se poderia imaginar: o estar só no meio de milhares de milhões de pessoas sós. O futuro chegou ontem, e estamos sempre todos tão atrasados para o receber...