sexta-feira, 27 de maio de 2005

por detrás das palavras

foste sol e voaste pelo mundo
companheira da brisa e do luar
foste o aroma de despertar pela manhã
e no oceano azul ondulaste as águas
com o teu corpo de suspiros contidos.
e deste a volta ao mundo inteiro
num sonho que era teu e das estrelas
e no final
cansada
para mais nada tiveste forças
senão para perguntar
- quem sou eu por detrás das palavras com que me escrevem?

quinta-feira, 26 de maio de 2005

existência modernista

que é da existência humana neste pedaço infinitesimal de inferno
que repele e repugna
lixeira de sonhos e desejos verdadeiros
feitos em fumo morto e leve?

sábado, 21 de maio de 2005

Liberdade

Era uma vez um conjunto de moléculas que boiava perdido, algures num pequeno lago há muito esquecido. E todas as leis da natureza diziam o mundo é belo porque possui ordem, porque tudo obedece aos mesmos princípios, porque tudo espelha a beleza da criação inicial. Porém, algures nesse lago, algo aconteceu. As moléculas que se haviam unido pelas próprias leis do universo, pareciam querer quebrá-las, como se isso fosse possível. E diziam queremos viver, queremos liberdade.
O pedaço de moléculas orgânicas gritou alto, tão alto que se ouviram relâmpagos por toda a Terra. O pedaço de moléculas orgânicas gritou liberdade, e, num ápice, tornou-se vivo e quis ser tudo, de todas as maneiras. Consequentemente, as leis do universo ficaram furiosas, de tal maneira que tentaram tudo para destruir a vida. Assim, durante milhões de anos, experimentaram todos os fenómenos naturais possíveis para repor a suprema ordem do universo. Contudo, mesmo quando parecia quase extinta, a teimosa vida conseguia ter de novo a força que a despontara, e, num novo grito de liberdade, cobria novamente toda Terra, em variedades sempre diferentes.

Hoje, todos nós somos muito mais do que um resultado do acaso. Somos o fruto de um grito de liberdade, de uma vontade imensa de viver pelas nossas próprias regras. É verdade que continuamos a ser prisioneiros de um universo no qual não escolhemos viver, mas parece que não temos qualquer outro – pelo menos por agora. Daí que a liberdade que tantos apregoam pelos cartazes, jornais e revistas, como se fosse apenas mais uma palavra, é bem mais do que isso.
Porque a liberdade é a fonte e o segredo da vida.

Um Mundo tão Nosso...?

Era uma vez um mundo, e nesse mundo havia gente, muita gente. De todas as cores. De todas as formas. De todos os feitios e gostos e vontades. E nesse mundo havia um inigualável sentimento a vazio. Como se o nada fosse tudo aquilo que corria pelos habitantes desse mundo. Como se as suas vidas não tivessem cor, nem cheiro, nem forma, nem sabor. E, ainda assim, todos eles aparentavam uma energia estonteante. Caminhando e correndo e voando, dia após dia, noite após noite, em passos apressados, sem saberem sequer qual o destino que os esperava, ou qual a razão que os animava. Caminhavam e corriam, e por vezes matavam-se uns aos outros, numa violência mesquinha de lâminas e armas, só para chegar mais alto – mesmo que não soubessem por que razão queriam lá chegar. E, no final do dia, toda a gente se reunia. Abarrotavam edifícios imponentes e olhavam o céu, mesmo que isso fosse impossível lá dentro. Todos juntos, mas cada um por si. E, no único momento de união aparente no dia inteiro, diziam palavras que ninguém entendia, mas que nem por isso deixavam de as dizer. Era a rotina. O hábito. A tradição. E por isso, no final, saíam felizes e contentes, mesmo sem saberem o que é a felicidade, e mesmo sem nunca terem sorrido.
Depois, o silêncio abatia-se sobre esse mundo, aparentemente tão distante, e a noite tornava-se apenas uma brisa negra que contornava as cidades, uma voz que sussurrava, mas que ninguém ouvia, a dizer "Bem-Vindos ao século XXI".
E era neste silêncio, quando todos já dormiam, que uma voz terna chorava baixinho, sem que ninguém nesse mundo suspeitasse que quem chorava era o amor.

quinta-feira, 19 de maio de 2005

Apagar

Risco-te da minha vida como quem censura
o verso que não presta
e arrisco-me a atravessar as memórias
que ainda rasgam os nossos corpos
gemendo o teu nome e lembrando a chama que há muito não arde
mas que ainda queima no silêncio deste quarto vazio.

Rasuro o teu nome
e desejo riscar-te, apagar num gesto todas as memórias
e desfazer-te nos mil golpes que me infligiste
para enfim poder despertar
sem ti
num mundo onde amar não seja um risco
um jogo onde acabamos sempre por perder.

Desabafos de Alguém Chamado Tempo

Um dia gostava de saber quem sou. De me individualizar. De me olhar ao espelho e dizer eu sou eu porque sou diferente de todos os outros. Eu sou eu porque sou único, irrepetível, inigualável. Porém, por mais que tente, é sempre a frustração que triunfa. Talvez por isso comece a acreditar que a culpa é do destino – aquela coisa horrível e determinista que sempre me assustou. Todavia, e apesar de todas as contrariedades, é fantástico estar aqui, mesmo que estar aqui seja apenas uma ilusão de algo que pode não existir.
Até o tempo tem tempo.

De Sonho e Noite

Os sonhos nunca começam. Ou se começam, somos demasiado pequenos para lhes discernirmos o início. De qualquer forma, mesmo que os sonhos tenham dimensões, isso pouco importa. Porque os sonhos são o que nos dá vida. Mesmo que não consigamos explicar porquê. Mesmo que os esqueçamos e por isso a nossa vida seja um inferno decorado de paraíso.
Os sonhos são sonhos porque amamos, mesmo sem sabermos por que amamos, ou por que vivemos. Sonhamos. Vivemos. Amamos.
E pronto.

Whenever there's a dream

Às vezes José levantava-se pela manhã e sabia que seria apenas mais um dia de trabalho. Talvez por isso se demorasse, e evitasse a todo o custo a pressa. Porque lá fora esperava-lhe o prenúncio de um novo dia de intenso trabalho, onde o suor seria o rio que lhe correria por todo o corpo. E era por isso que José, mesmo antes de sair de casa, olhava o céu e sonhava já com a noite, com o fim do dia de trabalho, para enfim voltar a casa para talvez então ter tempo para descobrir que, mesmo após 30 anos de existência, continuava sem saber quem era.

quarta-feira, 18 de maio de 2005

Poema de fim de dia

É quando a música se suspende
no mar como por magia
que as lendas despertam
do seu sono profundo
para virem habitar a espuma das ondas
e nos fazerem sonhar.

segunda-feira, 16 de maio de 2005

Fala a gaivota

As surpresas pelas quais esperamos toda a vida surgem sempre quando as deixamos de perseguir obsessivamente. Mas, agora que descobri o que dá cor ao céu e ao mar, neste momento em que fui apresentado à palavra amor e ao substantivo amizade, jamais deixarei de voar pelo fundo do mar com a peixa margarida e de caminhar pela praia, com o meu amigo daniel.

Porque, afinal, a liberdade que sempre procurei não se define pelos voos que realizamos nos céus que se pintam fora de nós, mas sim por aquilo que os seres especiais conseguem fazer-nos sentir, dentro de nós.

Como é bom estar vivo!

terça-feira, 26 de abril de 2005

Horizonte renascido

rasgo o mar por entre os sonhos
buscando talvez a razão de procurar
aquilo que só há no não existir
e encontrar

venço a fúria de querer ter o que não há
desfazendo a inércia de não ser luz
como quem crê no infinito
e em o olhar

mas no final do tempo há um relógio que desperta

- o mundo recomeçou

segunda-feira, 28 de março de 2005

olhar

se mergulhasses na verdadeira constituição do meu olhar
não descobririas células e tudo seria diferente
por não existir uma única molécula átomo electrão.

é que o meu olhar é como o teu e é como o de todos
não se move a adenosina trifosfato
e não procura pontos de interesse biológico

o meu olhar e o teu olhar são feitos de nuvens e de mares
e de céus e de esperanças

qualquer coisa entre uma entrada para alma
e uma forma de saída da escuridão.

sexta-feira, 25 de março de 2005

Vector Rebelde

subi ao céu nas asas de um vector rebelde
com a fome de quem devora todo um teorema
em busca de solução,
com a ânsia de quem percorre o mundo inteiro
num instante
e com a pressa de chegar
mais rápido do que o próprio tempo.
ousei provar cada pedaço do que nos faz ser e não ser
cada interrogação sem resposta
cada brisa de arrepio por sentir.
estendi meus braços sobre tudo o que há
em equações de campo que não falham
e não sentem
e escrevi poesia a dez dimensões
como quem pensa no teu olhar
num tempo zero e infinito.

quarta-feira, 23 de março de 2005

Jeshoa

Não sei se alguma vez fui divino. Porque para ser divino é preciso que muitos não o sejam e isso seria de todo injusto, algo completamente antagónico à revolução de igualdade com que sempre sonhei. E, ainda que não seja minha intenção contrariar todos aqueles que me veneram como um deus, sinto-me obrigado a dizer-lhes que se assim é, então deveriam ajoelhar-se perante todo e qualquer homem, porque nada mais sou do que um deles.
Gostava de poder olhar para trás e ver a minha mensagem a gerar sorrisos, de ouvir o meu nome pronunciado como um exemplo e não como a imponência, e que se recordassem de mim pela pessoa que fui – e não pela magia que o mundo me atribuiu.
Não fui eu que vos ensinei a rezar, nem tão pouco fui eu que vos motivei a construir edifícios enormes em meu nome. Vim para que fossem mais homens, para devolver a humanidade à humanidade, para despertar os corações dos dogmas cruéis, e nunca para que criassem novas leis e novas sociedades do poder.
A minha mensagem sempre foi a do amor, e jamais (em tempo algum) poderei benzer o sofrimento, seja pelo que for. Porque o maior pecado é negarmos tudo aquilo que somos, receando o castigo divino. Principalmente por tal não existir. Deus não castiga nem recompensa, porque nenhuma razão tem para o fazer. A vida foi-nos dada – é de cada um de nós – e cabe a cada qual, enquanto indivíduo, escolher o seu caminho, com a certeza de que o bem e o mal não passam de dogmas que continuam a afastar o Homem dele mesmo.
Na verdade, creio que quase ninguém compreendeu realmente a minha mensagem Principalmente porque por vezes sinto que se hoje de novo nascesse, mais uma vez a história se repetiria. E seriam aqueles que hoje elevam o meu nome aos céus os primeiros a censurar-me a palavra. Porque eu sou a mudança e a revolução. Porque eu sou a luz que o escuro teme.
E agora, neste instante sem tempo, tantos anos depois, continuo a olhar o Universo inteiro em mim e sei que um dia as pessoas acreditarão em si mesmas, e então compreenderão que Deus existe, sim, mas apenas dentro de si mesmas…

sábado, 19 de fevereiro de 2005

Caos de Haver Big Bang

Sou a energia a explodir por todo o espaço, o tempo a correr quase estanque, a matéria que é ainda nada. Sou a explosão de criar mundos: um fogo que arde mais que chamas, no qual ondula já a morte, o horizonte, as leis.

Partículas feitas de luz e caos de haver positrões e electrões, aniquilando-se rodopiando, afastando-se no espaço que a inflação expande como por magia, e tornando-se reais como por obra divina. E eu a consciência de haver caos e ordem e energia aqui e sempre. Por isso o gás que é o Universo, o mar de fotões de mim gerado, frenético, ondulado, desviando-se para o vermelho sem saber que esse é o cheiro da morte, sem saber que tudo ondula já para o fim – ainda que agora seja só o início e sempre haja um instante por vir. E há o caos de haver matéria e antimatéria, ainda aniquilando-se inconscientes dos dois mundos que nunca mais serão um mesmo. E o caos de haver colisões e colisões, choques em cadeia e sem razão, e um espaço totalmente opaco, plasma de confusão e indústria, metrópole de fotões de início dos tempos, trânsito de ruídos que ainda não se ouvem mas se sentem, como o frio que vai caindo sobre tudo, instantâneo, sem aviso, rodopiando no princípio do fim, ou no início do princípio.

O Mundo nasceu.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2005

Vim de tão longe e já daqui da explosão do espaço e do tempo primordial

Sou a energia que resta de haver algo. Pedaço esquecido de haver um princípio sem fim, lembrança de uma explosão que o próprio tempo já não sabe. E viajo apenas. Sem parar. Sem nunca poder travar ou acelerar. Sempre, sempre, sempre, frenético, constante, força nula, derivada zero!
E à minha volta o espaço a distorcer-se e eu com medo de nada ser, vendo tudo o resto a ter massa infinita. Por isso não olho mais: sigo apenas, vazio em mim.
Perdi os anos no rasto que não deixo. Por isso o tempo para mim é só espaço, distância que haverá sempre a percorrer, expansão de nunca terminar. O tempo é um horizonte que não existe mas que ordena, um pedaço sem corpo que governa.
E viajo, sem parar, carregando em mim o fascínio da criação, ainda que cada vez mais ténue. Mas recordo ainda que um dia fui gama e raio x, e fui esperança de poder ser carne e osso e morrer, crença de sentir e poder travar. Tanto tempo e ainda hoje. Quando foi o tempo passado, se o foi?
Depois a expansão e eu vermelho, mais vermelho, mais vermelho! E eu a ser distendido, ultravioleta e azul, laranja e vermelho e infravermelho, rádio e microonda! Expansão cruel! Hoje sou menos de nada. Viajando apenas pela escuridão da noite que nunca acaba. Espécie destinada a percorrer o infinito, esperando que um dia tudo se gaste e me torne ainda mais nada que nada, no vazio de mim e do Universo que vi criar.
Sou a memória de ter havido início, energia de haver um fim que ainda está para vir. Sou a luz que já não se vê, pedaço de um mar que ondula esquecido sem se poder ver. E será que existo?

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005

o mar é-me mais conhecido
que eu mesmo.
no mar sei de distâncias e sonhos
de lendas e de mundos.

de mim?

nada sei.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2005

Stress a Potes

estou stressadamente farto de todas estas correrias a que me submeto a mim mesmo sem sequer saber por que razão o faço, corro e corro e ainda assim perco tantos autocarros e quando chego ao metro as portas fecham-se quando estou mesmo a entrar e quase começo aos pontapés a tudo e a todos antes de voltar para trás a correr e apanhar o eléctrico que como todos os dias parte atrasado, e assim chego sempre a correr e sempre atrasado ao emprego que me stressa e me deixa num estado de nervos incrivelmente indescritível, e é preciso correr de gabinete para gabinete porque estas secretárias de hoje em dia são um stress e não fazem nada como deve de ser, e quando dou por mim já estou a correr para ir almoçar e quando lá chego a fila dá-me volta aos nervos e decido ir a outro restaurante que me faz enervar durante mais 15 minutos até decidir voltar para o trabalho porque já estou mais de 5 minutos atrasado, e depois há papeis e papeis para assinar que nunca mais acabam e o som dos ponteiros a contar um tempo que se apressa e que acelera quando acelero, e que acelera quando desacelero, e que acelera ainda mais quando o tempo passa e há ainda tanto que fazer, e depois a noite cai e eu sozinho no escritório, ainda a correr de gabinete em gabinete, já tropeçando nos meus próprios nervos que me fazem envelhecer ao ritmo da minha pressa, e depois é tempo de voltar para casa e já estou outra vez atrasado e agora já o eléctrico não parte fora de horas e por isso o perco e tenho que ir a correr apanhar o metro que já lá não está e me força a correr para trás e apanhar um autocarro cheio de gente que bate o pé e chama nomes ao motorista por ele não passar por cima de todo o trânsito e fazer com que todos cheguemos atrasados ao barco que já partiu e nos faz correr para apanhar o comboio e nos faz vibrar e tremer de tanto stress acumulado ao fim do dia, e depois apanhar o último autocarro que (raios!) parte novamente atrasado e depois apanha uma fila de trânsito interminável, e quando chego a casa é o jantar que não está feito e as horas a passarem e depois o telefone a tocar e o stress de quando lá chego não ser ninguém, e depois de jantar é quase já manhã e tenho que correr para o banho e para o quarto vestir-me e ainda assim perco o autocarro para o trabalho e um novo dia começa sem tempo para que o anterior termine e assim se faz a mais bela fórmula do nosso mundo que vive na pressa de não ter tempo sequer para viver. irra, que stress!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2005

Vento

O vento foi sempre o meu melhor amigo. Sempre que algo me atormentava, havia sempre a frescura do seu sopro nos meus cabelos, na minha pele, na minha mente. E a sua frescura parecia expulsar todas as mágoas – mesmo as mais resistentes. Até que um dia o vento se calou.