segunda-feira, 28 de março de 2011

O Regresso a Guinsberg

Guinsberg, data e hora desconhecidas

Ainda não acredito que consegui. Ao princípio pensei que fosse realmente como nos romances do Afonso, em que quando se morre se vai para o céu, e então tudo é como nas nossas memórias – límpido, cristalino, perfeito. Mas não. Tudo isto é real e é Guinsberg. Guinsberg, novamente! Guinsberg, finalmente!

Ainda assim, sinto-me como se tivesse sido atropelada (bolas, agora não consigo pensar em nada sem ser com uma analogia do século XXI!), e não consigo deixar de pensar no grito de Afonso. Afinal, aquilo que ele me contou aconteceu mesmo: o meu corpo foi destruído, mas felizmente isso só ocorreu quando a minha mente estava já bem longe. Todavia, sei que o Afonso acabará por descobrir que não morri, e que fui bem sucedida, no regresso a Guinsberg. No fim de contas, não foi essa a ideia que ele me transmitiu, quando me visitou, a partir do futuro? Foi, não foi? (E se isso não for verdade? E se o Afonso apenas me disse aquilo porque não queria que eu alterasse a minha vida e as minhas opções por ele? E se nunca mais nos voltarmos a encontrar?). Calo a voz da reflexão por agora, e concentro-me no mais importante, naquilo que ocupou tantas horas do meu pensamento desde que fui transferida para o Universo de Afonso: Guinsberg. Na prática, o mais importante é voltar para o computador central, até porque estou a utilizar um corpo falso, que gerei quando cheguei a Guinsberg e que, por isso, não possui qualquer nanorobô.

Caminho por uma rua da cidade, e de novo me maravilho com a perfeição Guinsberguiana, embora sejam poucos os carros que deslizam agora, ao longo dos carris magnéticos que não se vêem. Quanto a mim, tento encontrar algum ponto de vigilância central, com vista a comunicar com o computador central, mas, aparentemente, não consigo encontrar nenhum. Por momentos preocupo-me, por temer a vitória dos rebeldes, mas, ao aperceber-me da incrível ordem que se expressa por toda a parte, apercebo-me de que isso não pode ter acontecido.
Marcho durante alguns minutos, e começo a ficar preocupada, quando verifico que os pontos de vigilância permanentes estão todos no modo stand-by (porquê?). Quando olho à volta, acabo por descobrir que estou perto de um centro de teletransporte taquiónico. Por isso, excitada com a minha descoberta, entro rapidamente na unidade, através da introdução de um código secreto – a que tive acesso quando passei a integrar a missão de resistência – e dirijo-me, sem demoras, até ao teleportador. Para isso, vejo-me forçada a atravessar pelo menos uma dezena de corredores, até atingir a plataforma, todos eles absolutamente desertos e silenciosos. Quando estou prestes a atingi-la, há algo que me chama a atenção, no exterior. Ouço um ruído estranho, e a minha mente, treinada, nos últimos dias, para reagir a todos os estímulos, por mais primitivos que sejam, dirige rapidamente a minha atenção para a janela.
O que vejo, faz-me tremer profundamente, e recuar, até isso deixar de ser possível. Porque lá fora há um cenário assustador…

Lisboa, 40500 a.D.

Finsk tinha toda a razão quando disse que o cocktail que iríamos beber era o mais forte de sempre. E que o diga a minha cabeça, que ainda não parou de se queixar desde que acordei. Felizmente, parece que não fiquei inconsciente por muito mais do que alguns minutos, mas, ainda assim, não posso perder tempo: é preciso concretizar o propósito que me trouxe até aqui. Preciso de encontrar tecnologia gravitacional – nem que seja um mero protótipo que ainda não esteja a ser desenvolvido. Só esse tipo de tecnologia – e nas mãos de Finsk – pode ajudar Natasha a voltar a Guinsberg…
O mais estranho é que este lugar não tem nada que ver com os filmes de ficção científica. Quer dizer, pelo menos com aqueles que têm por objectivo mostrar um futuro aterrador, no qual a tecnologia conseguiu destruir o mundo inteiro, e onde tudo é fumo, lixo e destruição. Até porque – garanto – há muito que não estava num local tão verde e tão limpo. Como se aqui nem sequer existisse uma civilização humana (sinto um arrepio, mas depois calo os meus próprios pensamentos).
Decido caminhar um pouco, depois de fazer umas roupas improvisadas com algumas folhas. Afinal, para quê preocupar-me? Devo estar num parque natural, só isso. Num futuro avançado, de certeza que será facílimo conceber algo como o que estou a presenciar, num abrir e fechar de olhos (certo?). Todavia, a verdade é que este parque parece não ter fim. Para onde quer que olhe há apenas um conjunto enorme de árvores, e todas com a mesma forma, tamanho e disposição, de maneira que parece impossível conseguir obter um bom ponto de referência. Felizmente é de dia, e o sol ainda vai demorar a pôr-se, o que me confere uma vantagem preciosa em termos de orientação. Ainda que pareça um pouco mais laranja do que seria de esperar (será que viajei assim tanto no tempo para me conseguir aperceber da diferença de actividade do sol?).
Ainda me sinto um pouco zonzo do cocktail de Finsk, mas, lentamente, apercebo-me de que as minhas capacidades mentais se vão restabelecendo totalmente. Por isso, agora que me começo a enervar seriamente com a quantidade aparentemente infinita de árvores, paro, e tento perceber o que é que continua a não fazer sentido para mim. Coço a cabeça, e, quando me apercebo de algo elementar, quase tenho vontade de bater com a cabeça contra todos estes troncos de árvore. Afinal, viajei no tempo, e não no espaço, pelo que tenho de estar em Lisboa… Mas onde está a cidade? Será possível que o futuro a tenha apagado do mapa?
Será que o cocktail de Finsk é assim tão forte para me ter levado para lá do limiar da extinção humana? É verdade que não encontro qualquer sinal de actividade humana, mas tudo me parece demasiado ordenado… como se tivesse sido concebido por uma inteligência que só pode dever-se à acção humana. Por outro lado, será que Finsk se enganou na fórmula, e fui enviado para um passado distante, em que Lisboa era ainda uma terra virgem?

sábado, 26 de março de 2011

Não é o Mundo que Precisa de Mudança - somos nós!

Por vezes tornamo-nos de tal forma obcecados com a "necessidade de mudar" para "melhorar" que nem sequer nos apercebemos que o verdadeiro problema é a constante tentativa de mudança. "Sejamos sinceros" (para dar um tom mais sério à coisa): um mundo melhor, mais justo, capaz de dar respostas e estimular (e promover) os nossos sonhos e felicidade não é um mundo que muda de mês a mês, de ano a ano. É como achar que alguém pode conseguir bater o record dos 100m quando a meta está sempre num sítio diferente - por vezes com obstáculos, outras vezes com poças de águas; umas vezes com vento, outras vezes sob uma chuva intensa. A sério: quando é que nos vamos aperceber de que não é a "mudança" que vai "mudar" (para "melhor") o mundo em que vivemos? Não há problema nenhum num mundo que muda lenta e muito mais naturalmente - quem tem que ir mudando muito mais somos nós - as nossas atitudes, a nossa motivação, a nossa capacidade de entre-ajuda. Já chega de mudarmos as regras a cada segundo que passa - não são regras fantásticas que fazem um mundo fantástico. Não são leis e "reformas" bestiais que fazem um mundo bestial. O mundo faz-se de cada um de nós. Na forma como agimos. Dia após dia.

Não, o Mundo não precisa de Mudança, deixem-no em paz! (pelo menos por alguns instantes) - quem precisa de ir mudando, e com urgência, somos nós.

sábado, 12 de março de 2011

Visões de Um Outro Mundo: o início

Escolhi uma engraçada caneta amarela que me sorria da prateleira da papelaria Strings. Por momentos rodei-a na minha mão, e não resisti a comprá-la. Quando dei por mim, caminhava já pela rua do Ouro, olhando o céu como uma criança que o vê pela primeira vez.

Ao princípio neguei por completo a possibilidade que se pintava na minha mente, por cada vez que me deparava com a caneta amarela recém-comprada. Achava ridículo um objecto poder ter tamanha influência sobre alguém, ao ponto de me fazer sentir actuado por uma força inexplicável. Contudo, ao fim de duas semanas, cheguei à conclusão de que era inevitável ceder ao aparente capricho da caneta. Ela fora feita para criar.

Por mais idiota que possa parecer, foi assim que iniciei esta coisa (primeiro chamei-lhe conto, agora já nem sei o que é), depois de um qualquer exercício de campos electromagnéticos me ter cansado a mente. Peguei em folhas totalmente virgens, inspirei fundo, e, como um verdadeiro explorador do século XV, mergulhei no desconhecido da escrita. Ultimamente tinha lido bastante. Autores conhecidos. Outros nem por isso. Contudo, tais leituras mostraram-se bastante importantes, não propriamente como fontes de ideias a nível de argumento, ou até de vocabulário, mas sim como formas de descobrir o que sente alguém quando toda a vida lhe sai das mãos e vai fecundar o papel.

Na verdade, foi ao pensar nisso que atribuí o primeiro título à minha prosa, que podem ler em cima. Foi assim que ele nasceu, muito antes de saber tudo o que iria ocorrer daí em diante. E não mais o quis alterar. Talvez por isso estranhem o facto de haver dois títulos. Paciência: já se devem ter apercebido de que não sou nenhum escritor a sério. O que talvez não saibam é que, desde a primeira palavra, tudo começou a mudar – a minha vida, o meu mundo, até eu próprio. Foi como se algo subitamente ganhasse vida e me invadisse sem sequer pedir autorização. A vida que surgia a partir de mim parecia tornar-se independente, a cada frase que elaborava.

Antes de iniciar esta tentativa literária, eu era um brilhante aluno de engenharia física tecnológica, e os meus sonhos expressavam-se, frequentemente, em relações quantitativas. Na verdade, todos os fenómenos que me rodeavam pareciam tão bem explicados, matematicamente, que não conseguia duvidar de Galileu, quando me sussurrava ao ouvido “o grande Livro da Natureza está escrito em linguagem matemática”.

Assim, quando me deixei seduzir pelo papel em branco, não fazia a mínima noção do que era viver uma verdadeira aventura, daquelas que nos fazem colocar tudo em causa e nos transformam totalmente. Todavia, sabia que algo em mim ansiava pela adrenalina do desconhecido. E havia também o facto de as relações matemáticas, embora belas, serem apresentadas pelos professores de uma forma muito pouco artística. Ambicionava mais.

Se soubesse as consequências que tal coragem me traria, talvez tivesse hesitado quando coloquei a minha caneta amarela entre os dedos, cedendo à sua vontade e à minha curiosidade pelo desconhecido. Porém, de nada me arrependo. Muito pelo contrário. E, claro, mesmo que o fizesse, de que me serviria, agora?