terça-feira, 19 de outubro de 2004

Diluição

Era a primeira vez que entrava naquele bar. Talvez por isso, quando caminhei em direcção ao balcão, tenha sentido tantos olhares a dirigirem-se a mim, analisando-me, temendo-me até. Claro que tal reacção não durou muito mais do que alguns segundos. A minha baixa estatura e o meu olhar cansado não metiam medo a ninguém, e, devido a isso, os presentes rapidamente se aperceberam de que não havia nada a temer.

Para dizer a verdade já nem sei o que pedi, porque bebi tudo isso como se de ar se tratasse. Dava golos, tentando diluir no álcool (ou naquela coisa que me ardia o estômago), o desespero. Alguns matulões aproximavam-se de mim e perguntavam-me, rindo, se estava bêbado. Eu olhava-os, e via milhões deles. Respondia-lhes que não sabia e que isso não me importava. Dizia-lhes que havia uma ânsia que inquietava, uma desilusão que me preenchia quando olhava o mundo, um sonho desfeito em nada quando me olhava no espelho do futuro. Chamavam-me louco e saíam, a rir, talvez com menos álcool no sangue, mas também com muito menos em que pensar.

Durante semanas aquele bar diluía-me a dor que surgia de dentro, como reacção ao que fora de mim havia. Todavia, cada noite em que chegava a casa e ficava três horas para acertar com a fechadura, e mais duas para conseguir rodá-la da forma certa, sentia-me mais vazio. Deitava-me a ver o mundo a espiralar, e sentia a minha ânsia muito mais diluída em todo o álcool que bebera. Mas logo vinha a dor física, e então era como se todo o álcool se evaporasse, e a ânsia que gritava em mim doesse tanto como a minha cabeça.

No que me tornei eu?

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