sábado, 12 de março de 2011

Visões de Um Outro Mundo: o início

Escolhi uma engraçada caneta amarela que me sorria da prateleira da papelaria Strings. Por momentos rodei-a na minha mão, e não resisti a comprá-la. Quando dei por mim, caminhava já pela rua do Ouro, olhando o céu como uma criança que o vê pela primeira vez.

Ao princípio neguei por completo a possibilidade que se pintava na minha mente, por cada vez que me deparava com a caneta amarela recém-comprada. Achava ridículo um objecto poder ter tamanha influência sobre alguém, ao ponto de me fazer sentir actuado por uma força inexplicável. Contudo, ao fim de duas semanas, cheguei à conclusão de que era inevitável ceder ao aparente capricho da caneta. Ela fora feita para criar.

Por mais idiota que possa parecer, foi assim que iniciei esta coisa (primeiro chamei-lhe conto, agora já nem sei o que é), depois de um qualquer exercício de campos electromagnéticos me ter cansado a mente. Peguei em folhas totalmente virgens, inspirei fundo, e, como um verdadeiro explorador do século XV, mergulhei no desconhecido da escrita. Ultimamente tinha lido bastante. Autores conhecidos. Outros nem por isso. Contudo, tais leituras mostraram-se bastante importantes, não propriamente como fontes de ideias a nível de argumento, ou até de vocabulário, mas sim como formas de descobrir o que sente alguém quando toda a vida lhe sai das mãos e vai fecundar o papel.

Na verdade, foi ao pensar nisso que atribuí o primeiro título à minha prosa, que podem ler em cima. Foi assim que ele nasceu, muito antes de saber tudo o que iria ocorrer daí em diante. E não mais o quis alterar. Talvez por isso estranhem o facto de haver dois títulos. Paciência: já se devem ter apercebido de que não sou nenhum escritor a sério. O que talvez não saibam é que, desde a primeira palavra, tudo começou a mudar – a minha vida, o meu mundo, até eu próprio. Foi como se algo subitamente ganhasse vida e me invadisse sem sequer pedir autorização. A vida que surgia a partir de mim parecia tornar-se independente, a cada frase que elaborava.

Antes de iniciar esta tentativa literária, eu era um brilhante aluno de engenharia física tecnológica, e os meus sonhos expressavam-se, frequentemente, em relações quantitativas. Na verdade, todos os fenómenos que me rodeavam pareciam tão bem explicados, matematicamente, que não conseguia duvidar de Galileu, quando me sussurrava ao ouvido “o grande Livro da Natureza está escrito em linguagem matemática”.

Assim, quando me deixei seduzir pelo papel em branco, não fazia a mínima noção do que era viver uma verdadeira aventura, daquelas que nos fazem colocar tudo em causa e nos transformam totalmente. Todavia, sabia que algo em mim ansiava pela adrenalina do desconhecido. E havia também o facto de as relações matemáticas, embora belas, serem apresentadas pelos professores de uma forma muito pouco artística. Ambicionava mais.

Se soubesse as consequências que tal coragem me traria, talvez tivesse hesitado quando coloquei a minha caneta amarela entre os dedos, cedendo à sua vontade e à minha curiosidade pelo desconhecido. Porém, de nada me arrependo. Muito pelo contrário. E, claro, mesmo que o fizesse, de que me serviria, agora?

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