Às vezes quando escrevo, deixo assim uma página em branco. Pelo menos uma. Um zero. À esquerda. Uma página em branco à esquerda. Só porque sim. E porque não. Mas sobretudo para irritar o bicho papão. E o outro parvalhão. Para chatear cada politiquês, cada economicistista, cada explorador de cidadão, profissional ou amador, declarado ou ainda no armário. Daqueles cromos que sairam das cadernetas e que a toda a hora dizem e gritam e cantam défice, ratings, crise e vivem tudo isso com muito mais fé do que os crentes vivem a fé no deus deles.
Eles irritam-se tanto com uma página em branco. Totalmente em branco. Uma página em branco chateia-os. É um zero que nem sequer chega a sê-lo. É o nada. E isso irrita-os profundamente, porque não o conseguem dividir como os tachos; porque já não há nada a tirar, nada a roubar; não dá para multiplicar, hipotecar, vender, alugar ou privatizar. Sim, uma página em branco, o nada, é o pior pesadelo do economicistista, do explorador de cidadão, do agricultor de crises. Uma página em branco não tem défice, não dá para aplicar austeridade. De nada vale aumentar o Iva numa página em branco. Pior ainda: numa página em branco ninguém é especialista, não há receitas, não há fortunas, não se vai à TV, não se fazem comícios. Uma página em branco não lhes dá um motorista. Nem sequer lhes dá um voto.
É por isso que às vezes quando escrevo deixo uma página em branco. Porque não há nada mais fantástico, mais inspirador e revelador do que uma página em branco.
2 comentários:
Gostei bastante!
Acho que se devia também partilhar pelo facebook para chegar a um maior número de pessoas (eu também gostaria de partilhar com outros).
Beijo
Cat
Também gostei muito. Foi bom partilhares no facebook: só assim descobri o teu blog!
Continua!
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